São Paulo, terça, 5 de maio de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A campanha presidencial de 98

ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Ninguém que só leia os jornais e veja a televisão tem como compreender a campanha presidencial que está começando. Repletos de opiniões e fofocas, os jornais minguam em informações. Nem sequer analisam o contexto que permite entender o significado das pesquisas de opinião. A televisão oscila entre o silêncio calculado e o situacionismo impenitente. Em nenhum lugar transparece a visão que a elite política e empresarial tem do quadro atual.
A maioria decisiva do eleitorado prefere não reeleger o presidente se encontrar alternativa aceitável. O único candidato oposicionista conhecido geralmente no país, Lula, não é aceito pela maioria dos descontentes. Ciro Gomes continua conhecido por menos de 30% dos eleitores, embora mais de um terço dos que o conhecem já digam querer votar nele. O Brasil como um todo só conhece quatro ou cinco políticos além do presidente. Nenhum deles tem como eleger-se.
A posição de Ciro é reveladora. É conhecido pela minoria que lê jornal, mas não pela maioria que só vê televisão, onde ele e os outros candidatos declarados ou possíveis da oposição pouco aparecem. Tem de criar fatos políticos para vencer a barreira do desconhecimento, identificar-se com as ansiedades nacionais e potencializar sua mensagem. A proliferação de candidatos, conhecidos e aprovados por partes diferentes do eleitorado, ajuda a assegurar o segundo turno. E no segundo turno tudo é diferente.
O presidente vem caindo de aprovação, sem que a oposição suba. Há pesquisas em que o voto indeciso está aumentando em vez de diminuir. Existe grande preocupação em manter o real. Convive, porém, com a convicção generalizada de que a estabilidade da moeda não basta e não deve servir de pretexto para a inoperância diante dos problemas do país. As pesquisas qualitativas confirmam que o ambiente está carregado de frustração e azedume. À descrença no governo contrapõe-se a descrença na oposição conhecida.
Há meses os chefes da oposição insistem no discurso obtuso e inepto da unidade. O problema nunca foi a desunião das oposições. Sempre foi que o país ainda não acredita que qualquer uma delas tenha a alternativa viável que ele quer. Unidas, cairiam sob a suspeita de terem as mesmas idéias que tinham quando separadas. O candidato em torno do qual querem unir-se não pode ser eleito presidente agora.
No Brasil partidos não elegem presidentes, embora sustentem governos. Alianças partidárias capazes de respaldar projetos nacionais transformadores forjam-se no calor da luta que leva à vitória na eleição presidencial.
Entre os políticos situacionistas e os grandes empresários é generalizada a convicção de que o segundo governo do presidente seria ainda mais triste do que o primeiro. Nascendo sem proposta e com base partidária rachada, deixaria o Brasil estagnado. Os membros dessa elite toleram o continuísmo porque julgam seus interesses suficientemente atendidos e porque sabem que não tardará a chegar a hora das traições proveitosas.
A reeleição do atual presidente depende da ignorância: o desconhecimento popular de alternativa política a situação que até os operadores do regime têm como desacreditada. Essa ignorância não é invencível, nem mesmo dentro das condições presentes. A campanha presidencial de 98, que supostamente acabou antes de começar, ameaça agora começar após haver acabado. A situação fria e fechada de hoje tem tudo para desfecho sensacional.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
E-mail: unger@law.harvard.edu



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.