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A seda e a chaga
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Volto ao assunto da
seca que está tomando proporções
inaceitáveis para o estágio de civilização que julgamos atravessar. Sempre é
lembrada aquela cena comovente, o
imperador dom Pedro 2º chorando e
prometendo vender a última jóia de
sua coroa para acabar com o flagelo.
Acabaram com a monarquia, a coroa repousa numa caixa de vidro no
Museu Imperial de Petrópolis, não lhe
falta uma pedra. O que não acabou foi
a seca. A República também fez promessas. Não tendo coroa para vender,
está agora vendendo empresas estatais para pagar juros da dívida externa e dar lucratividade aos especuladores daqui e de fora.
Quando FHC viaja ao exterior, as
comitivas que preparam a visita distribuem na mídia as maravilhas do
Brasil de hoje, o grau de desenvolvimento que estamos alcançando, nossos recordes agrícolas (quando não os
há, inventam-se), nossa tranquilidade
institucional e nossa generosa taxa de
juros que garantem excelentes lucros a
quem investir em nosso mercado de
capitais, não em nossa economia.
Misturando a parte técnica com o
oba-oba exótico, fazendo um "blended" das fartas recompensas na Bolsa
com nossos tucanos e nossas borboletas, com nossas verdes matas e lindas
cascatas, o presidente arrota uma
grandeza de Primeiro Mundo.
Tudo isso se esboroa diante da realidade de nossa miséria. O Brasil do
ano 2000 vai iniciar o próximo milênio levando na carne a chaga que não
soube fechar em quase 500 anos de
história. Pode fazer piruetas no cenário internacional, vestir-se como nação civilizada e emergente, bimbalhar
todos os penduricalhos do neoliberalismo globalizado.
Mas, a cada volta que der no salão,
todos verão a chaga que nunca foi fechada, a chaga que enodoa e enoja. E
todos saberão que nossas roupas de seda escondem uma podridão moral que
não sabemos curar.
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