São Paulo, terça, 5 de maio de 1998

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A seda e a chaga

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Volto ao assunto da seca que está tomando proporções inaceitáveis para o estágio de civilização que julgamos atravessar. Sempre é lembrada aquela cena comovente, o imperador dom Pedro 2º chorando e prometendo vender a última jóia de sua coroa para acabar com o flagelo.
Acabaram com a monarquia, a coroa repousa numa caixa de vidro no Museu Imperial de Petrópolis, não lhe falta uma pedra. O que não acabou foi a seca. A República também fez promessas. Não tendo coroa para vender, está agora vendendo empresas estatais para pagar juros da dívida externa e dar lucratividade aos especuladores daqui e de fora.
Quando FHC viaja ao exterior, as comitivas que preparam a visita distribuem na mídia as maravilhas do Brasil de hoje, o grau de desenvolvimento que estamos alcançando, nossos recordes agrícolas (quando não os há, inventam-se), nossa tranquilidade institucional e nossa generosa taxa de juros que garantem excelentes lucros a quem investir em nosso mercado de capitais, não em nossa economia.
Misturando a parte técnica com o oba-oba exótico, fazendo um "blended" das fartas recompensas na Bolsa com nossos tucanos e nossas borboletas, com nossas verdes matas e lindas cascatas, o presidente arrota uma grandeza de Primeiro Mundo.
Tudo isso se esboroa diante da realidade de nossa miséria. O Brasil do ano 2000 vai iniciar o próximo milênio levando na carne a chaga que não soube fechar em quase 500 anos de história. Pode fazer piruetas no cenário internacional, vestir-se como nação civilizada e emergente, bimbalhar todos os penduricalhos do neoliberalismo globalizado.
Mas, a cada volta que der no salão, todos verão a chaga que nunca foi fechada, a chaga que enodoa e enoja. E todos saberão que nossas roupas de seda escondem uma podridão moral que não sabemos curar.



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