São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

A grande noite

RIO DE JANEIRO - Apesar do meu pessimismo, do qual até hoje não tive motivos para abrir mão, reconheço que tudo poderia ser pior, não apenas em minha vida pessoal mas na vida geral das nações e dos povos.
Lendo folhas antigas -nas quais muito se aprende-, encontrei a relação dos comes e bebes do baile da ilha Fiscal, última festa promovida pelo Império e que seria a gota d'água definitiva para a proclamação da República.
Vamos lá: 8.000 garrafas de vinho e outras tantas de licores, conhaques e cervejas; 12 mil sorvetes e outros tantos ponches; 10 mil sanduíches variados, línguas, fiambres, milhares de canapés, 18 mil salgadinhos; 18 faisões, 80 perus, 300 galinhas, 350 frangos, 25 cabeças de porco recheadas, peixes de água doce e salgada, cabritos, leitões, patos, gansos, coelhos, capões, codornas e borrachos.
Trabalharam no preparo de tudo 40 cozinheiros e 50 ajudantes.
A pajelança imperial tinha por finalidade homenagear a tripulação de um navio de guerra chileno que estava no porto.
Não havia jornalismo investigativo na época, mas rosnou-se, tanto nos meios conservadores como nos liberais (os dois partidos do Império), que faisões, perus, codornas, peixes de água doce e salgada, sorvetes, vinhos e licores foram pagos com uma verba destinada à seca do Ceará, que, naquela ocasião, era terrível.
Numa visita às terras flageladas, o imperador prometera vender a última jóia de sua coroa para acabar com aquela miséria. Não precisou desfalcar o símbolo maior de seu poder para bancar a comilança da ilha Fiscal, cujo baile, em si, foi tão inocente quanto feérico.
Poucas noites depois da Grande Noite, nas proximidades da mesma ilha, o imperador partia para exílio.


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