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CARLOS HEITOR CONY
A grande noite
RIO DE JANEIRO - Apesar do
meu pessimismo, do qual até hoje
não tive motivos para abrir mão, reconheço que tudo poderia ser pior,
não apenas em minha vida pessoal
mas na vida geral das nações e dos
povos.
Lendo folhas antigas -nas quais
muito se aprende-, encontrei a relação dos comes e bebes do baile da
ilha Fiscal, última festa promovida
pelo Império e que seria a gota d'água definitiva para a proclamação
da República.
Vamos lá: 8.000 garrafas de vinho
e outras tantas de licores, conhaques e cervejas; 12 mil sorvetes e
outros tantos ponches; 10 mil sanduíches variados, línguas, fiambres,
milhares de canapés, 18 mil salgadinhos; 18 faisões, 80 perus, 300 galinhas, 350 frangos, 25 cabeças de
porco recheadas, peixes de água doce e salgada, cabritos, leitões, patos,
gansos, coelhos, capões, codornas e
borrachos.
Trabalharam no preparo de tudo
40 cozinheiros e 50 ajudantes.
A pajelança imperial tinha por finalidade homenagear a tripulação
de um navio de guerra chileno que
estava no porto.
Não havia jornalismo investigativo na época, mas rosnou-se, tanto
nos meios conservadores como nos
liberais (os dois partidos do Império), que faisões, perus, codornas,
peixes de água doce e salgada, sorvetes, vinhos e licores foram pagos
com uma verba destinada à seca do
Ceará, que, naquela ocasião, era
terrível.
Numa visita às terras flageladas, o
imperador prometera vender a última jóia de sua coroa para acabar
com aquela miséria. Não precisou
desfalcar o símbolo maior de seu
poder para bancar a comilança da
ilha Fiscal, cujo baile, em si, foi tão
inocente quanto feérico.
Poucas noites depois da Grande
Noite, nas proximidades da mesma
ilha, o imperador partia para exílio.
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