São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2008

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KENNETH MAXWELL

Lacunas restauradas

FOI APENAS nesta semana que consegui avaliar com cuidado os documentos liberados a pedido do "Valor", nos termos da Lei de Liberdade de Informação dos EUA, e postados no site do jornal. O mais interessante dos documentos é um telegrama enviado de Brasília pelo então embaixador John J. Danilovich, em 22 de junho de 2005, comentando sobre a nova ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Trata-se do documento E169, em valoronline.com.br/PDF/20050622Brasilia.pdf.
A maioria dos documentos anteriormente sigilosos que o governo dos EUA libera para leitura pública são editados. Ou seja, segmentos do documento considerados como sensíveis demais são apagados. A maioria dos documentos liberados para o "Valor" sofreram grandes cortes desse tipo.
Para os historiadores, essas supressões tornam muito problemático o uso de documentos como esses. O que existe de mais notável quanto ao documento E169, no entanto, é que o trabalho de edição supressiva foi realizado de modo tão incompetente que qualquer um pode ler as partes censuradas.
Em outras palavras, os trechos supostamente censurados, em lugar disso, aparecem em destaque, mais ou menos da maneira que estudantes usam marcadores amarelos para destacar passagens de um texto que desejam lembrar.
E o que o embaixador Danilovich escreveu sobre Rousseff e o Departamento de Estado considerou merecedor de supressão?
Na página um, foi censurado o comentário de que Rousseff é "brusca e exigente". Isso não surpreenderia os brasileiros. Na página três, uma referência ao fato de que ela é separada do marido, é "teimosa" e "trabalha demais".
Mas a maior das supressões acontece na página dois e envolve suas atividades como líder de guerrilha: "A Joana d'Arc da subversão". O telegrama discute o papel de Rousseff no "roubo do cofre do Ademar", o "lendário assalto (...) cometido com a invasão do apartamento da amante do ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros, para roubar os US$ 2,5 milhões que ele tinha guardados lá". Por fim, o embaixador menciona os "22 dias de tortura brutal com choques elétricos" sofrida por Dilma Rousseff.
Como é estranho o Departamento de Estado considerar que essas informações sejam sensíveis demais para o consumo do público.
Afinal, se Dilma Rousseff um dia for eleita presidente do Brasil, e se John McCain, que também sofreu torturas brutais quando prisioneiro de guerra, for eleito presidente dos EUA, teremos dois chefes de Estado com autoridade moral única para rejeitar de maneira inequívoca o uso da tortura como ferramenta política de Estado.


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Tradução de PAULO MIGLIACCI


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