São Paulo, Sábado, 05 de Junho de 1999
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O projeto do governo proibindo a venda de armas ajuda a combater a violência?

SIM
Contra a banalização do crime

RENAN CALHEIROS

O Executivo acaba de encaminhar ao Congresso o projeto de lei que proíbe a comercialização de armas de fogo e de munição em todo o território nacional, com exceção apenas para as Forças Armadas, os órgãos de segurança pública e as empresas de vigilância registradas e fiscalizadas conforme a lei.
Sem dúvida, trata-se de uma atitude drástica, mas é a única que está à altura do crescente e angustiado clamor de nossa sociedade contra a proliferação indiscriminada dessas armas. Precisamos pôr um ponto final na escalada armamentista e na banalização da violência, capazes de transformar em tragédia qualquer briga de bar e em banho de sangue uma simples discussão no trânsito, na escola, na rua ou mesmo no lar.
Reafirmo que a população tem plena consciência do problema. Prova disso é o apoio maciço ao projeto, conforme todas as pesquisas nacionais de opinião. A mais recente dessas sondagens, realizada em cem municípios de todas as regiões do país, com pessoas de diferentes faixas etárias e níveis socioeconômicos, revela que 85% dos entrevistados querem a proibição da venda de armas e de munições e que 65% defendem seu uso apenas pelos policiais.
Muitos se armam na esperança de se defender, proteger a família e o patrimônio; mas essa, claramente, não é a solução. Os marginais estão sempre preparados, e o surpreendido, na maioria das vezes, é o cidadão honesto. Sabe-se que 96% das vítimas armadas que reagem a assaltos são assassinadas. Temos de riscar esses índices da vida nacional. Para 79% dos entrevistados na mesma pesquisa, a posse de armas prejudica a segurança do usuário.
As evidências atestam que os mecanismos de controle em vigor são insuficientes. Os jornais divulgaram que, apenas no Rio, 72% das armas apreendidas tinham como destino original (e oficial) a exportação, mas estavam circulando pelas ruas da cidade. É um dado que fala por si só.
Após a promulgação da lei que criou o Sinarm (Sistema Nacional de Controle de Armas), num efeito contrário às expectativas, o número de registros caiu abruptamente. Em São Paulo, por exemplo, antes de sua vigência, eram registradas 70 mil vendas de armas por ano; depois disso, só 6.700, sendo que 83% desse último total correspondeu a compras feitas por empresas de vigilância. Conclusão: as pessoas físicas compradoras de armas passaram a se abastecer no mercado paralelo. A lei do Sinarm acabou favorecendo a clandestinidade.
Nosso projeto traduz uma atitude radical, sim, pois pretende cortar pela raiz a violência que se alastra por salas de aula, vizinhanças, locais de trabalho, de lazer e mesmo casas de família, ceifando vidas preciosas, sobretudo entre a população mais jovem. Crianças e adolescentes são, a um só tempo, protagonistas e vítimas de uma guerra que não é declarada, mas é letal. Há armas de fogo na maioria esmagadora dos homicídios de pessoas entre 15 e 19 anos no Sudeste. Não há dúvida de que sua onipresença é a grande responsável pela magnitude sinistra de tais índices.
É certo que a criminalidade tem múltiplas causas, mas isso não torna menos relevante e urgente o combate à violência sem causa, motivada pela vulgarização das armas. O crime organizado abastece seus arsenais com armamentos sofisticados, que entram no país como contrabando. Nesse caso, a solução consiste em repressão redobrada, para tirar o Brasil do mapa internacional do tráfico de armas pesadas. O Ministério da Justiça, em colaboração com as secretarias da Segurança, criará forças-tarefa para intensificar o confisco de armas ilegais ou contrabandeadas.
Paralelamente, o Brasil propôs acordo, no âmbito do Mercosul, destinado a combater o contrabando e a estabelecer um cadastro unificado para controle das atividades dos importadores.
Enfim, óbvio está que a transformação do projeto em lei não resolverá integralmente o problema; mesmo assim, ele é um passo decisivo e necessário. A proposta traduz um convite à vida e uma chance à paz, aos quais estou certo de que os representantes do povo na Câmara e no Senado não faltarão.
O lobby da indústria e do comércio de armas pessoais já está agindo com desenvoltura para barrar o projeto. É um direito legítimo desses empresários. Contudo os legisladores precisam refletir que, a cada estampido, a cada vítima, o lucro é de poucos e o prejuízo é de toda a sociedade. Acima e além de interesses setoriais e considerações imediatistas, o projeto responde ao anseio de todos os homens e mulheres de boa vontade, pais e mães de família que sonham em fazer da paz e da tranquilidade uma legítima conquista da vida cotidiana brasileira.


Renan Calheiros, 42, é ministro da Justiça e senador licenciado pelo PMDB de Alagoas. Foi deputado federal pelo PMDB-AL (1983 a 91) e líder do governo na Câmara dos Deputados (gestão Collor).



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