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O projeto do governo proibindo a venda de armas ajuda a combater a violência?
SIM
Contra a banalização do crime
RENAN CALHEIROS
O Executivo acaba de encaminhar ao
Congresso o projeto de lei que proíbe a
comercialização de armas de fogo e de
munição em todo o território nacional,
com exceção apenas para as Forças Armadas, os órgãos de segurança pública
e as empresas de vigilância registradas e
fiscalizadas conforme a lei.
Sem dúvida, trata-se de uma atitude
drástica, mas é a única que está à altura
do crescente e angustiado clamor de
nossa sociedade contra a proliferação
indiscriminada dessas armas. Precisamos pôr um ponto final na escalada armamentista e na banalização da violência, capazes de transformar em tragédia qualquer briga de bar e em banho
de sangue uma simples discussão no
trânsito, na escola, na rua ou mesmo
no lar.
Reafirmo que a população tem plena
consciência do problema. Prova disso é
o apoio maciço ao projeto, conforme
todas as pesquisas nacionais de opinião. A mais recente dessas sondagens,
realizada em cem municípios de todas
as regiões do país, com pessoas de diferentes faixas etárias e níveis socioeconômicos, revela que 85% dos entrevistados querem a proibição da venda de
armas e de munições e que 65% defendem seu uso apenas pelos policiais.
Muitos se armam na esperança de se
defender, proteger a família e o patrimônio; mas essa, claramente, não é a
solução. Os marginais estão sempre
preparados, e o surpreendido, na
maioria das vezes, é o cidadão honesto.
Sabe-se que 96% das vítimas armadas
que reagem a assaltos são assassinadas.
Temos de riscar esses índices da vida
nacional. Para 79% dos entrevistados
na mesma pesquisa, a posse de armas
prejudica a segurança do usuário.
As evidências atestam que os mecanismos de controle em vigor são insuficientes. Os jornais divulgaram que,
apenas no Rio, 72% das armas apreendidas tinham como destino original (e
oficial) a exportação, mas estavam circulando pelas ruas da cidade. É um dado que fala por si só.
Após a promulgação da lei que criou
o Sinarm (Sistema Nacional de Controle de Armas), num efeito contrário às
expectativas, o número de registros
caiu abruptamente. Em São Paulo, por
exemplo, antes de sua vigência, eram
registradas 70 mil vendas de armas por
ano; depois disso, só 6.700, sendo que
83% desse último total correspondeu a
compras feitas por empresas de vigilância. Conclusão: as pessoas físicas
compradoras de armas passaram a se
abastecer no mercado paralelo. A lei do
Sinarm acabou favorecendo a clandestinidade.
Nosso projeto traduz uma atitude radical, sim, pois pretende cortar pela
raiz a violência que se alastra por salas
de aula, vizinhanças, locais de trabalho, de lazer e mesmo casas de família,
ceifando vidas preciosas, sobretudo entre a população mais jovem. Crianças e
adolescentes são, a um só tempo, protagonistas e vítimas de uma guerra que
não é declarada, mas é letal. Há armas
de fogo na maioria esmagadora dos homicídios de pessoas entre 15 e 19 anos
no Sudeste. Não há dúvida de que sua
onipresença é a grande responsável pela magnitude sinistra de tais índices.
É certo que a criminalidade tem múltiplas causas, mas isso não torna menos
relevante e urgente o combate à violência sem causa, motivada pela vulgarização das armas. O crime organizado
abastece seus arsenais com armamentos sofisticados, que entram no país como contrabando. Nesse caso, a solução
consiste em repressão redobrada, para
tirar o Brasil do mapa internacional do
tráfico de armas pesadas. O Ministério
da Justiça, em colaboração com as secretarias da Segurança, criará forças-tarefa para intensificar o confisco
de armas ilegais ou contrabandeadas.
Paralelamente, o Brasil propôs acordo, no âmbito do Mercosul, destinado
a combater o contrabando e a estabelecer um cadastro unificado para controle das atividades dos importadores.
Enfim, óbvio está que a transformação do projeto em lei não resolverá integralmente o problema; mesmo assim,
ele é um passo decisivo e necessário. A
proposta traduz um convite à vida e
uma chance à paz, aos quais estou certo
de que os representantes do povo na
Câmara e no Senado não faltarão.
O lobby da indústria e do comércio
de armas pessoais já está agindo com
desenvoltura para barrar o projeto. É
um direito legítimo desses empresários. Contudo os legisladores precisam
refletir que, a cada estampido, a cada
vítima, o lucro é de poucos e o prejuízo
é de toda a sociedade. Acima e além de
interesses setoriais e considerações
imediatistas, o projeto responde ao anseio de todos os homens e mulheres de
boa vontade, pais e mães de família que
sonham em fazer da paz e da tranquilidade uma legítima conquista da vida
cotidiana brasileira.
Renan Calheiros, 42, é ministro da Justiça e senador
licenciado pelo PMDB de Alagoas. Foi deputado federal
pelo PMDB-AL (1983 a 91) e líder do governo na Câmara
dos Deputados (gestão Collor).
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