São Paulo, Sábado, 05 de Junho de 1999
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O projeto do governo proibindo a venda de armas ajuda a combater a violência?

NÃO
Desarmamento do cidadão

ERASMO DIAS

O desarmamento continua a ser indevidamente apreciado com propostas de todo tipo, que não atendem aos pressupostos básicos do problema em termos de prioridade e urgência, acabando por criar vários outros problemas também prioritários e urgentes. Impõem-se soluções que harmonizem e minimizem todos os problemas ligados ao desarmamento -já regido por lei específica, que deve ser cumprida antes de qualquer proposta de reformulação.
Aspecto básico a ser considerado é o porte ilegal de arma, seja pelo cidadão culposo, seja pelo indivíduo doloso. Sendo crime, ele deve ser severamente combatido na forma prevista pela lei (não cumprida). O porte de armas pelo cidadão deverá continuar a ser seu direito, concedido mediante o cumprimento de deveres. Estes têm de ser rigidamente cumpridos e fiscalizados, de maneira a restringir a um nível de cidadania capaz e responsável a obtenção desse direito -o que realmente representará uma minoria de cidadãos.
Assim, se o cidadão culposo (isto é, portador indevido de uma arma) for severamente processado e punido, isso dissuadirá outros cidadãos desse porte ilegal. Haverá a consciência de que o porte de arma exige, além de um alto nível de cidadania, certo grau de perícia e de comportamento humano acima da média dos cidadãos comuns.
O porte ilegal pelos indivíduos dolosos é o principal problema. Essas pessoas não cumprem deveres básicos, como o respeito à vida e ao patrimônio dos cidadãos; julgam-se até no direito de atentar contra uma e outro das formas mais hediondas. Assim, é preciso mobilizar todo o sistema de segurança pública estadual e federal, particularmente o poder de polícia, para coibir decididamente essa ilegalidade.
É notório que, nesse campo, as armas provêm do exterior, pelas fronteiras marítima, terrestre e aérea. A estrutura federal (Polícia Federal e Receita) tem maior responsabilidade sobre essas áreas, já que se trata de contrabando. Essa estrutura, como sabemos, não está à altura do crime organizado. Que lei desarmando a população, do produtor ao consumidor (e são muitos), terá eficiência com essa limitação?
Da mesma forma, o usuário final, seja no morro da Mangueira, no Rio, seja em Campo Limpo, em São Paulo, emprega armas diariamente -metralhadoras, espingardas etc.- em verdadeiras guerras urbanas, conduzidas de modo prepotente, impune e desabusado pelo crime organizado.
Impõem-se, portanto, além da apreensão de armas portadas por indivíduos dolosos (noticiadas todos os dias pela imprensa), investigações e processos exaustivos, pelo menos dentro de nossas fronteiras, do fornecedor inicial ao usuário final, indiciando, sentenciando e punindo severamente traficantes de armas e compradores.
Não tem sido esse o procedimento do sistema de repressão preventiva da segurança pública, em todos os níveis. Aliás, o problema é semelhante ao das drogas; estas e as armas são gêmeas do mesmo óvulo. Os métodos de combate devem ser iguais nos dois casos.
O poder de polícia estadual e federal não tem sido eficiente nesse sentido, o que acaba acarretando processos falhos, sem punição ao porte ilegal de armas. Todo o sistema depende essencialmente da ponta do fio -isto é, dos policiais, os primeiros que têm contato com o usuário doloso.
Com a proibição da produção e da venda de armas e a cassação de todos os portes, num desarmamento geral, quais as consequências? Continuará o contrabando -incentivado, já que será a única fonte produtora a armar os criminosos de todos os tipos. E o cidadão em desespero, que se arma para defender sua vida, será o alvo principal.
O grande problema continuará a ser o crime organizado das armas e das drogas, cada vez mais prepotente, desafiando os cumpridores da lei. Além de gerar uma massa enorme de desempregados, esse desarmamento do cidadão contribuirá para manter armados -e como- os criminosos.


Erasmo Dias, 75, coronel do Exército, é deputado estadual pelo PPB e líder do partido na Assembléia Legislativa. Foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo (governos Laudo Natel e Paulo Egydio Martins).



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