São Paulo, sexta-feira, 05 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

México, mais latino-americano que nunca

CECILIA SOTO

O presidente do México, Vicente Fox, fez nesta quarta-feira uma visita de Estado ao Brasil e propôs uma convergência fecunda dos esforços diplomáticos, econômicos e comerciais dos dois países em favor de iniciativas que ampliem as oportunidades para um desenvolvimento genuíno para o mundo todo, mas muito especialmente para a América Latina.
Às vezes, a parceria do México com os Estados Unidos no Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) provoca dúvidas sobre nosso compromisso com a América Latina. Um texto de Clóvis Rossi, publicado na última terça-feira, reflete esses receios ("O dólar furado", Opinião, pág. A2). Mas acontece exatamente o contrário: sendo economicamente mais forte, mais estável e menos vulnerável financeiramente, a vocação latino-americana do México é mais efetiva.
Certamente houve épocas nas quais o discurso mexicano foi mais radical. Só que, invariavelmente, em 1970, 1976, 1982, 1988 e 1994, em cada mudança de governo, o tom retórico teve que baixar, porque as gravíssimas crises econômicas nos faziam acudir, em condições de franca desvantagem, aos organismos financeiros internacionais.
Pela primeira vez em 30 anos, nas últimas eleições, de 2 de julho de 2000, o fim de um governo e o início de outro não se viram acompanhados por uma hecatombe financeira. O mérito foi tanto do governo do então presidente Ernesto Zedillo, do PRI, como do candidato vitorioso, Vicente Fox, que logrou a alternância do poder. Ainda que, em verdade, o mérito tenha sido do povo do México, que viu sua moeda se desvalorizar e chegar a 13% de seu valor em 1983 e a 40% dele em 1994, além de sofrer outras penúrias, sem perder a fé e a confiança no país.
O presidente Fox jamais afirmou, na entrevista cedida a Márcio Aith (Brasil, pág. A11, 30/6), que o México deixou de ser latino-americano, como o quis interpretar Clóvis Rossi. O presidente Fox disse, textualmente, que, "sob o ponto de vista financeiro, o México se move hoje na esfera da América do Norte e do dólar, mais que na esfera da América Latina" -algo muito diferente do que afirmou o talentoso colunista da Folha.


Nossa intensa relação bilateral com os Estados Unidos e o Canadá fortalece a rica cultura milenar dos mexicanos


Antes do Nafta, as exportações para os Estados Unidos já representavam 75% de todo o nosso comércio. Com o Nafta, esta relação representa agora 90%; seria infantil negar o peso econômico dela. Mas, agora, trata-se de uma relação comercial regida por disciplinas comerciais acordadas bilateralmente e em vários aspectos da economia, de uma interdependência dos dois países. Nem querendo o México pode deixar de ser latino-americano: somos o maior país de fala hispânica no mundo, com uma cultura milenar, que sobreviveu, vitoriosa e enriquecida, a choques culturais, conquistas e invasões, que não se podem comparar com o Nafta.
O crescimento do comércio não é um fim em si mesmo. Tem sido o instrumento para garantir maior estabilidade e melhores condições para resolver as graves carências sociais que ainda existem em meu país. O novo fortalecimento econômico do México lhe permitiu propor, com êxito, uma estratégia econômica entre a região sul do México, a menos desenvolvida e na qual habitam 25 milhões de pessoas, e a América Central, onde habitam 35 milhões; proposta conhecida como Plano Puebla Panamá.
Mas o resultado mais importante da negociação do Nafta não se pode ver nem no crescimento do PIB mexicano nem no grande aumento das exportações. O resultado mais transcendente é o fato de ter sido deixada para atrás a síndrome da vítima, a "vitimologia", uma espécie de religião atrás da qual muitos nos refugiávamos para desculpar nossos problemas pela vizinhança com os Estados Unidos. Com certeza, trata-se de uma vizinhança complexa, mas, em vez de ver somente problemas, detectamos também oportunidades.
A vocação latino-americana do México se reafirma pela quantidade de acordos comerciais que desenvolveu com quase todos os países da América Latina, pela iniciativa do Plano Puebla Panamá, pelos acordos com o Brasil e o Mercosul, assinados nesta viagem, e pela crescente coordenação da diplomacia mexicana com a diplomacia de países como o Brasil, para as melhores causas.
Nossa intensa relação bilateral com os Estados Unidos e o Canadá fortalece a rica cultura milenar dos mexicanos e converte os milhões de compatriotas que moram ali, ou que vão e vêm ano após ano, em embaixadores de nossa cultura. De fato, a fronteira cultural da América Latina se move em direção ao norte.
Em uma coisa, sim, tem razão Clóvis Rossi: na façanha maravilhosa da seleção brasileira, ao ganhar o penta campeonato. Como na copa de 1970, os mexicanos, ao sul e ao norte do rio Bravo, vibramos com o Brasil, desfrutamos de cada um dos passes de Rivaldo e enlouquecemos de alegria com os gols de Ronaldo. Mil felicitações!


Cecilia Soto é embaixadora do México no Brasil. Foi deputada federal (1991-93) e candidata à Presidência da República no México, pelo Partido do Trabalho, em 1994.



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