São Paulo, segunda-feira, 05 de agosto de 2002

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BORIS FAUSTO

Os méritos da burocracia

Num artigo publicado em "O Estado de São Paulo", em 31 de julho), Thomas Friedman, de "The New York Times", ao analisar o comportamento do presidente Bush no trato dos problemas que envolvem algumas grandes corporações americanas, lembrou a desconfiança de Bush com relação aos burocratas governamentais e sua simbiose suspeita com os amigos da área empresarial.
O propósito do jornalista foi de ressaltar a importância dos órgãos normativos do Estado para conter fraudes e todo tipo de práticas lesivas à sociedade e aos consumidores, que representam o lado mais obscuro do capitalismo americano.
O tema, guardadas as diferenças, interessa ao Brasil. Há entre nós uma tendência, dos círculos financeiros e empresariais ao grande público, no sentido de perceber a burocracia como um estrato social parasitário, que só serve para impedir o dinamismo do mercado, ou criar problemas inúteis para o cidadão na sua vida cotidiana.
Quando se levam em conta as características cartoriais da tradição histórica brasileira, de raízes lusas, a percepção negativa tem certa razão de ser. Só que é preciso distinguir entre setores parasitários, frutos de um inchaço clientelista, e servidores dedicados, com destaque para os quadros técnicos. Exemplificando, integrantes de instituições como o Itamaraty, as Forças Armadas, o BNDES etc. vêm exercendo, anos a fio, um papel importante para assegurar a continuidade das políticas públicas, quaisquer que sejam as críticas pontuais que lhes possam ser feitas.
Citando mais uma vez Max Weber -citei-o na semana passada-, é a essa burocracia que o sociólogo alemão se refere. Escrevendo num tempo em que não podia conhecer todo o alcance desse estrato, Weber vincula-o a um dos tipos de dominação legítima -o legal-burocrático- que ele valoriza no confronto com outras formas também legítimas -a tradicional e a carismática.
Muito dos avanços realizados na eficiência e na transparência das contas públicas, ao longo do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, se devem a funcionários de carreiras ligadas a controle, fiscalização e planejamento estatal. A reestruturação das carreiras vinculadas ao Tesouro, à Receita Federal, ao processo orçamentário em geral etc. representou um estímulo material indispensável, reduzindo a distância remuneratória entre as áreas privada e pública.
Mais importante ainda foi o fato de que os ocupantes dos cargos, nas áreas mencionadas, tiveram um grau adequado de autonomia no campo de sua atuação técnica, sem ingerências políticas indevidas.
A manutenção dos melhores quadros burocráticos no serviço público, proporcionando-lhes estimulo não só material como especialmente um campo legítimo de atuação, é, assim, uma tarefa da maior importância, qualquer que venha a ser o candidato eleito nas eleições de outubro.
Quanto menos voluntarista for o presidente, quanto mais respeitar a atividade dos agentes do Estado nos assuntos técnicos, maiores serão as condições para governar com segurança e previsibilidade, diante das tempestades existentes ou das que possam estar por vir.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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