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BORIS FAUSTO
Os méritos da burocracia
Num artigo publicado em "O
Estado de São Paulo", em 31 de
julho), Thomas Friedman, de "The
New York Times", ao analisar o comportamento do presidente Bush no
trato dos problemas que envolvem algumas grandes corporações americanas, lembrou a desconfiança de Bush
com relação aos burocratas governamentais e sua simbiose suspeita com
os amigos da área empresarial.
O propósito do jornalista foi de ressaltar a importância dos órgãos normativos do Estado para conter fraudes
e todo tipo de práticas lesivas à sociedade e aos consumidores, que representam o lado mais obscuro do capitalismo americano.
O tema, guardadas as diferenças, interessa ao Brasil. Há entre nós uma
tendência, dos círculos financeiros e
empresariais ao grande público, no
sentido de perceber a burocracia como um estrato social parasitário, que
só serve para impedir o dinamismo do
mercado, ou criar problemas inúteis
para o cidadão na sua vida cotidiana.
Quando se levam em conta as características cartoriais da tradição histórica brasileira, de raízes lusas, a percepção negativa tem certa razão de ser. Só
que é preciso distinguir entre setores
parasitários, frutos de um inchaço
clientelista, e servidores dedicados,
com destaque para os quadros técnicos. Exemplificando, integrantes de
instituições como o Itamaraty, as Forças Armadas, o BNDES etc. vêm exercendo, anos a fio, um papel importante para assegurar a continuidade das
políticas públicas, quaisquer que sejam as críticas pontuais que lhes possam ser feitas.
Citando mais uma vez Max Weber
-citei-o na semana passada-, é a essa burocracia que o sociólogo alemão
se refere. Escrevendo num tempo em
que não podia conhecer todo o alcance desse estrato, Weber vincula-o a
um dos tipos de dominação legítima
-o legal-burocrático- que ele valoriza no confronto com outras formas
também legítimas -a tradicional e a
carismática.
Muito dos avanços realizados na eficiência e na transparência das contas
públicas, ao longo do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso,
se devem a funcionários de carreiras
ligadas a controle, fiscalização e planejamento estatal. A reestruturação das
carreiras vinculadas ao Tesouro, à Receita Federal, ao processo orçamentário em geral etc. representou um estímulo material indispensável, reduzindo a distância remuneratória entre as
áreas privada e pública.
Mais importante ainda foi o fato de
que os ocupantes dos cargos, nas áreas
mencionadas, tiveram um grau adequado de autonomia no campo de sua
atuação técnica, sem ingerências políticas indevidas.
A manutenção dos melhores quadros burocráticos no serviço público,
proporcionando-lhes estimulo não só
material como especialmente um
campo legítimo de atuação, é, assim,
uma tarefa da maior importância,
qualquer que venha a ser o candidato
eleito nas eleições de outubro.
Quanto menos voluntarista for o
presidente, quanto mais respeitar a
atividade dos agentes do Estado nos
assuntos técnicos, maiores serão as
condições para governar com segurança e previsibilidade, diante das
tempestades existentes ou das que
possam estar por vir.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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