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São Paulo, terça-feira, 05 de agosto de 2003

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

O futuro

Chegaram com idéias nebulosas e enfrentaram riscos cristalinos. Seduzidos, perdidos e intimidados, confundindo o vocabulário de que dispunham com o ideário de que careciam, os novos governantes optaram por jogar o jogo da confiança financeira e por adotar a agenda de reformas do governo que haviam acabado de derrotar. Esperando ser premiados com tranquilidade e com investimento pela política recessiva e pseudo-ortodoxa que adotaram, adiaram o dia da virada desenvolvimentista e social.
Dois processos previsíveis se aceleraram em seguida. A produção começou a parar. E a sociedade, por meio de suas setores organizados, começou a reagir. Ficou evidente que falta projeto não só ao governo mas também ao país.
Reduzida a seus elementos mais simples e despida de ilusões que a suavizem, a situação atual é a seguinte. O Estado brasileiro não tem como continuar a pagar sua dívida nos patamares atuais de juros sem continuar a derrubar a produção e o emprego. A única maneira sensata de evitar o "default" sem empobrecer ainda mais a nação é combinar o sacrifício fiscal com controles de saída do capital brasileiro que cerceiem as alternativas que os credores tenham à aceitação de juros muito mais baixos. Pode funcionar ou não. Se não funcionar, a inadimplência do governo é preferível à ruína do país. Que não seria o fim do mundo demonstra o caso recente da Rússia. Fim do mundo é o que já acontece no Brasil: país cheio de energia e de engenho paralisado por política destinada a paralisá-lo.
Erram os que supõem podermos escapar desse desastre com a ajuda de política anticíclica convencional, de aumento do gasto público e de diminuição da carga tributária. Sobrecarregado de dívida e desesperado por dólar, o Estado brasileiro não tem esse luxo.
O sacrifício fiscal precisa, porém, vir acompanhado da criação audaciosa dos instrumentos de um desenvolvimento democratizante. Não depois, no momento imaginário em que se houver saciado a fome insaciável dos mercados financeiros. Agora, para criar a confiança mais importante: a confiança do país em seu governo e em si próprio. Entre essas iniciativas estão a mobilização de poupança compulsória de longo prazo para investimento de longo prazo, a negociação com os empresários de compromissos de investimento em troca de concessões tributárias e regulatórias, a democratização das condições para dar e para obter crédito dentro e fora da rede bancária, a identificação e a propagação de tecnologias apropriadas, tanto requintadas como simplificadas, a valorização dos salários por meios que minimizem o efeito inflacionário, o incentivo à formalização do emprego e a transformação do ensino público a partir de centros irradiadores e de oportunidades extraordinárias para os melhores alunos. Não é o programa de meus sonhos, mas é o próximo passo, factível e urgente, para o Brasil.
O governo talvez seja capaz de adotar e de executar projeto como esse e talvez não seja. A tarefa dos progressistas brasileiros hoje não é apenas advertir e propor. É também organizar, fora do eixo PT-PSDB, corrente de idéias e de forças. E oferecer ao Brasil alternativa produtivista, trabalhista e nacional ao quadro de desânimo e de desorientação que ameaça cair sobre os brasileiros.
Este colunista estará ausente desta seção por duas semanas.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger



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