São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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ELIANE CANTANHÊDE

Ossos do ofício

BRASÍLIA - Comandante das forças de paz da ONU no Haiti, o Brasil mandou 1.200 militares para aquele país. Foi uma bela jogada no campeonato de marketing internacional, reforçada pela partida da seleção brasileira com a presença de Lula.
Essa era a boa notícia. A má vem agora, quando três grupos armados do país começam a se movimentar e ocupar posições. São eles: remanescentes do extinto Exército haitiano, gangues anárquicas e os "chimeres", partidários do presidente deposto, Jean-Bertrand Aristide.
Por enquanto a situação é tranqüila na capital, Porto Príncipe, que está sob a responsabilidade direta das tropas brasileiras. Mas o país está destruído, a miséria é assustadora e a violência paira no ar. A confusão se delineia ao sul e ao norte, com o deslocamento de tanques e efetivos.
Os brasileiros podem ter ido felizes da vida para uma missão "de paz", mas caído numa guerra. E os soldados, que pareciam preparados para tarefas de relações públicas, discutindo futebol, Carnaval e mulatas com a população local, podem ser chamados a pegar em armas.
Não dá para o Brasil pedir desculpas, alegar que não entendeu direito o espírito da coisa e tirar o corpo fora. Se os ânimos esquentarem e os grupos armados passarem a ocupar cidades e a ameaçar cidadãos, é ir à luta e seja o que Deus quiser.
O ministro da Defesa, José Viegas, diz que são "ossos do ofício" e que "o risco é inerente à atividade militar". Mas o embaixador José Viegas deve saber que há riscos de outra ordem, inclusive políticos. Se um soldado brasileiro morrer no Haiti, não vai faltar quem se pergunte o que ele, soldado, estava fazendo ali. E a pergunta vai ser amplificada, inclusive por setores do PT, nas tribunas do Congresso e nas páginas dos jornais.
Entre tantas outras qualidades, Lula é um homem de sorte. Tem estrela, e não apenas a estrela do PT. Pois que ele tenha muita sorte para que o Haiti não vire novamente uma praça de guerra. E para que nenhum brasileiro morra a tiros por lá.


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