São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2008

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Inimigo íntimo

Bush, Cheney e McCain transformam Putin em ameaça frontal aos EUA e conseguem colocar Obama na defensiva

NUNCA É prudente acreditar no que diz Vladimir Putin. Mas não se pode deixar de reconhecer o acerto do premiê plenipotenciário da Rússia em pelo menos um aspecto envolvendo o conflito com a Geórgia. O governo americano faz o possível para transformar a "ameaça russa" num tema crucial da campanha pela Casa Branca -o que vai ao encontro do interesse do candidato da situação, John McCain.
O que o autocrata de Moscou não diz, evidentemente, é que a Rússia está colaborando para dar concretude à plataforma republicana. O Kremlin patrocina o redesenho, pela força, das fronteiras no Cáucaso e propaga o discurso, de resto farsesco, do retorno à Guerra Fria.
Se a região do Mar Negro tornou-se um palco para os barões da guerra, Dick Cheney não desperdiçou a deixa. O vice-presidente dos Estados Unidos, patrono do intervencionismo militar que marca o governo George W. Bush, dedica-se agora a um périplo pela vizinhança caucasiana da Rússia cujo único objetivo é provocar Moscou -e, assim, não deixar que o tema reflua no debate eleitoral doméstico.
Na Geórgia, ontem, Cheney renovou o apoio dos EUA para que o pequeno país se torne membro da Otan, a aliança militar ocidental. Pouco importa que o governo Bush não tenha condições de entregar o que promete, seja porque está em fim de mandato, seja porque a adesão depende de contornar resistências da França e da Alemanha, sócios da Otan que se opõem à admissão da Geórgia. O que interessa aos "falcões" de Bush é atiçar o urso russo.
No que diz respeito à campanha pela sucessão de Bush, a estratégia está funcionando. Os republicanos conseguiram, ao menos temporariamente, impor o tema à agenda do debate partidário. Pesquisas com o eleitorado americano mostram que a principal vulnerabilidade atribuída ao democrata Barack Obama repousa, justamente, nos temas de política externa e de defesa.
A propaganda e o discurso de McCain estão repletos de referências à ameaça russa. Putin, outrora recebido calorosamente no rancho texano de Bush, começa a ser deslocado para a classe dos vilões, onde estão Mahmoud Ahmadinejad, Hugo Chávez, King Jong-il e Osama bin Laden. Enquanto o candidato republicano, com suas credenciais de herói de guerra, atua com desenvoltura no papel de paladino de uma resposta "dura" aos russos, Obama foi empurrado para a defensiva nesse tema.
O democrata tem sustentado, desde o início de sua campanha, que privilegiará a diplomacia e o multilateralismo para lidar com assuntos de interesse dos EUA no exterior -o que é apenas bom senso, após o desastroso programa de Bush. Seria a ocasião ideal para contrapor essa plataforma à escalada da oratória republicana. Mas os democratas não desejam pôr à prova a hipótese de que a maioria do eleitorado está farta de bravatas militaristas.


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