São Paulo, segunda-feira, 05 de novembro de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Brasil velho

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

Estou entre aqueles que julgam que o presidente Fernando Henrique, nos seus dois mandatos à frente do Executivo, deixou um legado de realizações. Infelizmente entre elas não está a presença de um mercado de capitais dinâmico, eficiente e transparente, que tenha funcionado como um motor para o desenvolvimento do país.
Malgrado os anos 80 e 90 tivessem mostrado uma vitalidade do mercado de capitais, o que se viu em passado mais recente foi um retrocesso. Houve raríssimas aberturas de capital e mesmo um maior número de empresas saindo do mercado. Imaginava-se que, com a estabilidade monetária conseguida com o Plano Real, os investidores direcionariam parcela importante de sua poupança, através do mercado de capitais, para os investimentos de médio e longo prazos, como acontece nos mercados mais desenvolvidos. Infelizmente não foi possível constatar mudanças importantes nos seus hábitos de aplicação.
Anos de inflação elevadíssima criaram o hábito, perfeitamente explicável, de privilegiar títulos de dívida e de prazos curtos. Muito embora esses prazos tivessem recentemente sido alongados, ainda assim o prazo médio dos títulos governamentais não chega a três anos. Por outro lado, o Estado, como grande tomador, com generosas taxas de rentabilidade para seus papéis, criou um piso elevado, oferecendo condições de competitividade difíceis de ser acompanhadas pelas ações. As debêntures, que tiveram sua imagem recuperada pela lei nš 6.404, também são colocadas por prazos máximos de 3 a 5 anos.
As crises internacionais tiveram forte impacto no Brasil e repercutiram desfavoravelmente para o nosso mercado. Assim, não é de estranhar a queda das operações na Bovespa e a transferência da liquidez das ações principais para Nova York. O movimento da bolsa em meses recentes tem sido o mais baixo dos últimos dez anos!
Apesar dos esforços de algumas autoridades governamentais, os progressos ocorrem numa velocidade totalmente incompatível com as necessidades de crescimento do mercado. A reforma da Lei das S.A., para citar um exemplo, levou quatro anos sendo discutida e só agora está para ser sancionada.


As crises internacionais tiveram forte impacto no Brasil e repercutiram desfavoravelmente para o nosso mercado


É um quadro desanimador. O Estado, tendo aberto mão de seu papel de investidor (que exerceu com grande dinamismo na época do milagre brasileiro) e privatizando grande parcela de suas empresas, não dispõe dos recursos para funcionar como o grande incentivador da economia. O empresário privado nacional, que, por sua vez, deveria ocupar o espaço aberto pelo Estado, não teve acesso a um mercado de capitais de médio e longo prazos que lhe permitisse buscar os recursos para investir. E a carga fiscal sobre o PIB é uma das maiores dos países em desenvolvimento.
Criamos assim forte dependência de ingresso de capitais estrangeiros, sujeitos a todas as mudanças de humor dos investidores internacionais. As dificuldades por que passa a Argentina atestam claramente essa situação.
Ficou também evidenciado que precisaremos investir no aspecto educativo, em tributações estimulantes, em maior transparência, na remontagem de um sistema de distribuição e na confiança nas instituições, inclusive aparelhando os órgãos reguladores para o perfeito desempenho de suas funções. "Last but not least": taxas de juros que sejam compatíveis com uma concorrência leal para o investimento em ações.
A aprovação da reforma da Lei das S.A., dando maiores poderes à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e concedendo aos acionistas minoritários proteções que lhes haviam sido retiradas para viabilizar as privatizações, será, sem dúvida, uma etapa relevante para o futuro do mercado. O projeto de lei recentemente sancionado não veio a alterar a sua estrutura básica, como indicamos, já bastante modificada desde que entrou em discussão na Câmara. Entre os pontos, o que mais prejudicará os minoritários será o veto do conselho fiscal formado por três membros: um dos controladores, um dos minoritários e o terceiro escolhido por consenso ou votação, no caso de divergência.
"O veto do conselho tira do minoritário um degrau, dos muitos que foram retirados durante o processo de elaboração da lei", disse Emerson Kapaz durante um seminário sobre Lei das S.A.
Kapaz citou alguns tópicos que aumentariam os direitos dos minoritários e foram sendo retirados em troca da aprovação da nova lei em todas as esferas políticas. Entre eles estão: a redução do "tag along" de 100% para 80%; a atuação direta dos minoritários no conselho de administração apenas a partir de 2006 -enquanto isso escolhem o conselheiro entre três nomes indicados pelo controlador-; oferta pública pelo valor justo, que pode ser calculado de cinco diferentes formas; e o direito de o minoritário (pelo menos 10% do capital) pedir reavaliação do preço da oferta, mas bancando os custos, no caso de o valor ser menor que o da oferta.
Também um conflito de interpretação jurídica atrasou a sanção da nova Lei das S.A. Os consultores jurídicos da Presidência da República alegam que os novos poderes conferidos à CVM correriam grande risco de rejeição na Justiça, razão pela qual os poderes foram conferidos à CVM por medida provisória. O argumento é de que só o Executivo tem competência para criar ou alterar a atribuição de órgãos públicos.
As reformas, malgrado não serem radicais, acabaram provocando polêmica e interesses contrariados que agitaram Brasília durante um longo período. É a força do Brasil velho que se rebela contra as mudanças.


Roberto Teixeira da Costa, 67, é presidente do Ceal (Conselho de Empresários da América Latina) e vice-presidente do conselho de administração do Banco Sul América.



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