São Paulo, segunda-feira, 05 de novembro de 2001 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Brasil velho
ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA
É um quadro desanimador. O Estado, tendo aberto mão de seu papel de investidor (que exerceu com grande dinamismo na época do milagre brasileiro) e privatizando grande parcela de suas empresas, não dispõe dos recursos para funcionar como o grande incentivador da economia. O empresário privado nacional, que, por sua vez, deveria ocupar o espaço aberto pelo Estado, não teve acesso a um mercado de capitais de médio e longo prazos que lhe permitisse buscar os recursos para investir. E a carga fiscal sobre o PIB é uma das maiores dos países em desenvolvimento. Criamos assim forte dependência de ingresso de capitais estrangeiros, sujeitos a todas as mudanças de humor dos investidores internacionais. As dificuldades por que passa a Argentina atestam claramente essa situação. Ficou também evidenciado que precisaremos investir no aspecto educativo, em tributações estimulantes, em maior transparência, na remontagem de um sistema de distribuição e na confiança nas instituições, inclusive aparelhando os órgãos reguladores para o perfeito desempenho de suas funções. "Last but not least": taxas de juros que sejam compatíveis com uma concorrência leal para o investimento em ações. A aprovação da reforma da Lei das S.A., dando maiores poderes à CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e concedendo aos acionistas minoritários proteções que lhes haviam sido retiradas para viabilizar as privatizações, será, sem dúvida, uma etapa relevante para o futuro do mercado. O projeto de lei recentemente sancionado não veio a alterar a sua estrutura básica, como indicamos, já bastante modificada desde que entrou em discussão na Câmara. Entre os pontos, o que mais prejudicará os minoritários será o veto do conselho fiscal formado por três membros: um dos controladores, um dos minoritários e o terceiro escolhido por consenso ou votação, no caso de divergência. "O veto do conselho tira do minoritário um degrau, dos muitos que foram retirados durante o processo de elaboração da lei", disse Emerson Kapaz durante um seminário sobre Lei das S.A. Kapaz citou alguns tópicos que aumentariam os direitos dos minoritários e foram sendo retirados em troca da aprovação da nova lei em todas as esferas políticas. Entre eles estão: a redução do "tag along" de 100% para 80%; a atuação direta dos minoritários no conselho de administração apenas a partir de 2006 -enquanto isso escolhem o conselheiro entre três nomes indicados pelo controlador-; oferta pública pelo valor justo, que pode ser calculado de cinco diferentes formas; e o direito de o minoritário (pelo menos 10% do capital) pedir reavaliação do preço da oferta, mas bancando os custos, no caso de o valor ser menor que o da oferta. Também um conflito de interpretação jurídica atrasou a sanção da nova Lei das S.A. Os consultores jurídicos da Presidência da República alegam que os novos poderes conferidos à CVM correriam grande risco de rejeição na Justiça, razão pela qual os poderes foram conferidos à CVM por medida provisória. O argumento é de que só o Executivo tem competência para criar ou alterar a atribuição de órgãos públicos. As reformas, malgrado não serem radicais, acabaram provocando polêmica e interesses contrariados que agitaram Brasília durante um longo período. É a força do Brasil velho que se rebela contra as mudanças. Roberto Teixeira da Costa, 67, é presidente do Ceal (Conselho de Empresários da América Latina) e vice-presidente do conselho de administração do Banco Sul América. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Horacio Lafer Piva: Compromisso e responsabilidades Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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