São Paulo, terça-feira, 05 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma nova unanimidade, crescer

PAULO RABELLO DE CASTRO

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, se não servisse para mais nada, já teria valido a pena, somente pelo que já trouxe de contribuição ao estagnado debate das mazelas econômicas e sociais do nosso Brasil.
A mistura da "ameaça petista", sob a forma de uma "ruptura com o modelo que aí está", aos efeitos da crise de objetivos que a economia do Plano Real está vivendo neste fim da era FHC remexe a lama do fundo do lago plácido da nossa mediocridade nacional bruta. Entretanto também ativa os neurônios dormentes, na busca de saídas para um país cheio de potencial, que teima em se deixar arrastar pelo jogo não-cooperativo de suas elites. Enquanto isso, o povo, mais uma vez, aguarda e espera, atentamente, as novas idéias que "os homens de Brasília" nos trarão agora.
Uma dessas novidades, a unanimidade nacional, é a idéia de que precisamos crescer. Ao repetir, intensa e persuasivamente, que "este país precisa volta a crescer", o candidato Lula juntou dois conceitos que andavam desafinados: crescimento e empregos.
O que gera empregos é o crescimento, são as decisões de investir dos empresários -os micro, pequenos e grandes-, juntando todas as forças criativas da nação, inclusive as da produção intelectual e emocional, como artistas, religiosos, filósofos, professores e mestres. Não é o governo que gera empregos, é o crescimento de toda a nação que possibilita o emprego útil e produtivo dos cidadãos.
Parece pouco, mas não é. Quando surgem sinais de convencimento de que "não é só redistribuir o capital existente, mas, principalmente, fazer a economia crescer", esse tipo de avanço na harmonização de visões abre um campo enorme para a saudável convergência de interesses partidários, corporativos e classistas, impossível de acontecer certo tempo atrás.
Mas a convergência não caminha só da esquerda para o centro, é fato ainda mais auspicioso que caminha também da direita para o centro. Outra não é a constatação quando o pensamento neoliberal adere, mesmo tardiamente, ao conceito de que crescer não só é saudável, como, sobretudo, inevitável e imperativo nas condições atuais dos países da América do Sul e, particularmente, do Brasil. Enquanto pela esquerda o raciocínio se faz pelo casamento do crescimento com a geração de empregos, pela direita a nova lógica do crescimento se "revela" pela redução da taxa de risco, o chamado risco Brasil.


Não é o governo que gera empregos, é o crescimento de toda a nação que possibilita o emprego útil e produtivo dos cidadãos


Como classificador de risco, dirigindo a SR Rating, há nove anos aferimos o risco Brasil periodicamente. Nosso comitê de classificação, ao longo desses anos, monitorou algo curioso: o risco Brasil, medido por critérios estáveis, econômicos e políticos, quase nada se mexeu desde que Lula disputava a eleição pela segunda vez, em abril de 1994, contra FHC. Naquele ano, nossa classificação inicial era um mediano risco BB- (duplo B, menos), raspando na classe de risco alto de crédito soberano.
Quase dez anos depois, entramos em 2003 com a mesma classificação, embora agravada por uma tendência negativa. Ou seja, nosso risco não melhorou nem piorou. Esta é a característica de estagnação que, via taxa de juros alta, detém o crescimento. Pois essa charada acaba de ser "decifrada", na Universidade de Princeton, pelo economista J. A. Scheinkman, segundo relato do jornal "Valor Econômico" (1º/11/02, pág. A3).
Essa nova "visão" do crescimento como redutor de risco e indutor de conforto social desperta o interesse de Washington. Até o FMI, segundo Scheinkman, estaria encantado com essa tese, que está se tornando "unanimidade" (sic) entre os economistas no exterior.
A novidade, de fato, é o pensamento neoliberal voltar-se para o tema do crescimento. Que o crescimento ajude a afastar um país do precipício econômico, em si, não constitui novidade nenhuma. O novo, a ser comemorado aqui, é o foco, ou seja, o interesse dos neoliberais em lidar, conjunta e articuladamente, com as questões do equilíbrio fiscal e monetário (o doce de coco neoliberal) e com as do crescimento, que arrastam, é claro, os temas correlatos da pobreza, do meio ambiente e da segurança.
Faz dez anos, insistíamos nesse ponto, ao apresentar um Programa de Estabilização com Crescimento (PEC), publicado nesta Folha, em primeira mão, ao final de 1991. A idéia central por trás da articulação da estabilização com o crescimento, isto é, equilíbrio macro de curto prazo com inversões decididas e decisivas no longo prazo, estava integrada a um conceito de encontro de contas entre os setores público e privado da economia; necessidade evidenciada pelos recentes clamores dos Estados por re-renegociações de suas dívidas com a União.
Enquanto esse encontro de contas, o "mata-mata" de dívidas cruzadas, não for enfrentado -e isso implica o envolvimento das contas da Previdência Social e dos fundos sociais (daí a centralidade dessas reformas)-, enquanto essas pendências, que o atual governo chama de "esqueletos", não forem equacionadas, o Brasil persistirá nessa espécie de "concordata branca", que não nos levará a nenhum "default" da dívida, mas tampouco nos livrará da síndrome do juro alto com tendência à estagnação da produção.
Isso acabaram de descobrir os neoliberais no exterior, motivo de nossa grande satisfação, já que agora o diálogo começa a se tornar possível.
Se esse compromisso de crescer se concretizar, poderemos saudar o mandato de Luiz Inácio como o verdadeiro pacto social por ele tão desejado.


Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, na seção "Opinião Econômica", do caderno Dinheiro.

E-mail: paulo@rcconsultores.com.br



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