São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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Verba vã

Intriga o fato de gastos de campanha tão elevados não terem revertido para o debate político nem para esclarecer o eleitor

NÃO FOI pouca coisa: na disputa pelo governo paulista, os dois principais candidatos arrecadaram mais de R$ 44 milhões, segundo os registros do TSE. Para a campanha de José Serra, do PSDB, foram destinados R$ 26,7 milhões; o candidato do PT, Aloizio Mercadante, recebeu R$ 17,5 milhões.
A numerologia multimilionária, por si só impressionante, suscita questionamentos de diversa ordem. Poder-se-ia começar com a questão celebrizada por Geraldo Alckmin no segundo turno das eleições presidenciais, e indagar simplesmente "de onde veio o dinheiro". Ocorre que, neste tópico, a opinião pública até que conta com relativa transparência de informações.
Bancos, construtoras, grandes empresas de infra-estrutura e mineração respondem, segundo os dados oficiais, por boa parte das doações aos candidatos sem fazer distinções de ideologia, programa ou coloração política.
A clareza nas relações entre candidatos e quem os financia é, nas democracias consolidadas, uma garantia para que a sociedade civil possa fiscalizar, ao longo do tempo, o grau de autonomia de cada governante diante das pressões dos interesses privados. Ao que tudo indica, as eleições de 2006 marcaram um relativo avanço nesse aspecto.
A arrecadação oficial das duas principais campanhas ao governo paulista cresceu 83% em relação ao pleito de 2002, já descontada a inflação. Foi possível reparar, a olho nu, que os gastos eleitorais em 2006 foram bem mais reduzidos do que nas disputas anteriores dada a proibição de "showmícios", cartazes nas ruas e atividades de boca-de-urna. Se, nas eleições anteriores, os gastos eram maiores e a arrecadação, menor, só se pode concluir que o caixa dois vigorava com uma intensidade que, agora, não se detecta com tanta evidência.
Não se trata apenas de saber "de onde vem o dinheiro", mas também de saber para onde vai, e para que serve, o montante arrecadado pelas candidaturas. A pergunta não incide apenas sobre as eleições ao governo paulista. O que intriga, em meio às cifras milionárias que são mobilizadas, na esfera federal ou na mais modesta campanha à vereança de uma cidade do interior, é o fato de que esses gastos não revertem em nenhum progresso para o debate político e para o esclarecimento do eleitor.
Os candidatos têm acesso garantido ao rádio e à TV, são convidados a participar de debates nas principais emissoras (muitas vezes recusam) e contaram com uma redução do potencial de gastos, dada a maior rigidez legislativa no tocante à propaganda. Mas é como se continuassem a ter uma necessidade gigantesca de recursos, não para divulgar ao eleitorado suas mensagens e propostas, e sim para ocultá-las. A custo altíssimo, o que se enuncia são obviedades sem valor.
O preço da vacuidade, da ausência de propostas e idéias, é alto demais. Alguns doadores talvez obtenham clareza de compromissos dos candidatos; a sociedade, entretanto -que paga pela festa-, não dispõe das mesmas garantias. E, com isso, é o sentido democrático e republicano das eleições que termina contabilizando pesado prejuízo.


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