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ELIANE CANTANHÊDE
O conteúdo certo no lugar errado
BRASÍLIA - Quando ouvi ontem pelo rádio que Lula assinara declaração
conjunta Brasil-Síria cobrando "passos acelerados" para os EUA tirarem
as tropas do Iraque, pensei: "Estão esquentando a notícia". No jargão jornalístico, significa exagerar, aumentar, tornar espetaculosa.
Não estavam. A declaração diz:
"Quanto à deterioração da situação
do Iraque, os dois presidentes enfatizaram a necessidade de dar passos
acelerados com vistas à transferência
do poder para o povo iraquiano, pôr
fim à ocupação e conceder às Nações
Unidas um papel fundamental (...)".
É bem verdade que Lula e o seu governo dizem justamente isso por aqui
-com a nossa concordância, aliás.
Mas, falar no Brasil e escrever em documento na Síria, são coisas bem diferentes. Os EUA incluem a Síria no
"eixo do mal" e consideram-na alvo
potencial para novas extravagâncias.
Lula é o primeiro presidente brasileiro a ir ao país e a visitar a emocionante mesquita dos Omaiades e o
Palácio Azem, em Damasco. Isso basta como simbologia para demonstrar
simpatia, criar expectativa de negócios e ilustrar a política externa "independente", "altiva" e "pró-ativa".
Não precisava unir-se justamente à
Síria para cutucar formalmente os
interesses políticos da maior economia do mundo e do maior parceiro
comercial brasileiro. Parece, sinceramente, uma provocação desnecessária. Ou uma opção entre um (EUA) e
outro (árabes). Ou, ainda, pura "macheza diplomática".
"Macheza" que faltou, por exemplo, quando Lula entrou mudo e saiu
calado de Cuba, frustrando os que esperavam que condenasse as execuções políticas de Fidel Castro. Que independência é essa, se não pode falar
de direitos humanos para não constranger um anfitrião, mas tem de escrever contra a invasão do Iraque para agradar a outro?
A política externa é o que há de
mais visivelmente ousado e à esquerda no governo do PT. E, por isso, tem
recebido, merecidamente, mais elogios. Mas, às vezes, fica a sensação de
que falta uma coisa: calibragem.
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