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São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Contratos de gestão e agências reguladoras

LUIZ ALBERTO DOS SANTOS

A discussão sobre as modificações na legislação das agências reguladoras que o governo federal deverá enviar proximamente ao Congresso Nacional tem revelado alguns problemas de ordem conceitual e até mesmo aquilo que se pode considerar uma armadilha lógica -do tipo "quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?".
Na verdade, quando se fala de agências reguladoras, é um contra-senso acreditar que sua autonomia possa ser reduzida pela assinatura de um contrato de gestão, pois o alcance dessa autonomia e a forma de exercê-la são dados pela própria legislação. As propostas apresentadas pelo governo, como produto de um cuidadoso diagnóstico da situação, não têm essa finalidade, mas visam o fortalecimento das próprias agências, à medida que se tornam mais claras as suas competências no âmbito da regulação, da fiscalização e da implementação das políticas públicas nos vários setores regulados e que se reconhece que, para exercê-las, são necessários meios que ainda não foram proporcionados às agências.
O contrato de gestão, como instrumento adicional de controle social e de aperfeiçoamento da gestão e desempenho das agências, visa assegurar a compatibilidade entre meios e fins, viabilizando melhores condições operacionais às próprias agências reguladoras.


O contrato de gestão, é evidente, não é condição suficiente para o bom desempenho das agências


A figura do contrato de gestão, além disso, não é nova. A possibilidade consta do texto da Constituição Federal, resultante da emenda constitucional nº 19/98, que inseriu o novo par. 8º do art. 37. Segundo esse dispositivo, a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato de gestão, o qual terá por objeto fixar metas de desempenho para o órgão ou entidade. Caberá à lei dispor sobre o prazo de duração do contrato, os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidades dos dirigentes e sobre a remuneração do pessoal.
As próprias agências reguladoras já criadas estão, em alguns casos, obrigadas a firmar contratos de gestão, como a Aneel, a ANA, a Anvisa e a ANS. Nenhuma delas foi "cerceada" em sua autonomia por força de contrato de gestão já firmado, nem tampouco esses contratos se tornaram garrotes à sua ação, mesmo que tenham, em alguns casos, fixado metas de desempenho que envolvem, como é adequado, a melhoria da própria qualidade da regulação e fiscalização feitas pela agência. Além disso, se a autonomia das agências é essencial para os investidores, também o é uma análise de custo e benefício das agências reguladoras para os contribuintes e usuários de serviços -que são quem mantém as agências. O contrato de gestão é meio capaz de permitir a análise dessa adequação.
O contrato de gestão, é evidente, não é condição suficiente para o bom desempenho das agências, sendo necessárias mudanças que vão além do plano jurídico-institucional. Entre os requisitos adicionais, é necessário o efetivo compromisso por parte da direção e do corpo funcional da agência, o que demandaria um processo de preparação contemplando a sensibilização da direção e servidores para a mudança proposta, programas de treinamento e capacitação. É o que se constata da experiência internacional, como a das agências nos EUA, que firmaram acordos de desempenho com base no "General Performance and Results Act", ou que estabelecem metas de desempenho anuais em seus planos de gestão, sujeitas a amplo escrutínio e aferição, como é o caso da Environmental Protection Agency, da Federal Aviation Agency, da Food and Drug Administration e da Federal Communications Commission. Na Nova Zelândia, país que levou ao extremo as "reformas" da administração pública e a separação de funções de Estado e de governo, mediante a criação de agências reguladoras, também são adotados instrumentos de avaliação do desempenho dessas entidades, como meio de assegurar maior responsabilização perante o Parlamento e a sociedade.
Sem o efetivo fortalecimento das instituições, sem que o planejamento estratégico seja estruturado e implementado não se obterá nenhum resultado duradouro que justifique a utilização dos contratos de gestão em substituição aos atuais mecanismos de supervisão ministerial. Mas a pouca experiência do Brasil em matéria de avaliação de desempenho e de resultados não pode ser argumento para o imobilismo, ou para a "fracassomania", pois, se as agências devem ter respeitada a sua autonomia em benefício da estabilidade e confiabilidade do marco regulatório, deve também ser assegurada transparência na sua gestão e compromisso com o atendimento do interesse público.
O contrato de gestão somente se tornará uma alternativa concreta para o aperfeiçoamento da gestão pública se conseguir superar a tendência ao formalismo reinante na administração pública brasileira. Da mesma maneira, a avaliação de desempenho e o aperfeiçoamento da "accountability" das instituições públicas requer mais do que instrumentos normativos e técnicas, mas também exige o desenvolvimento de novos padrões de comportamento e de uma capacidade gerencial ainda insuficiente, tanto nos próprios ministérios quanto nas agências reguladoras. A proposta do governo é superar esse estágio, por meio das várias iniciativas que pretende adotar, e dar à sociedade melhores instrumentos para que seus interesses sejam de fato atendidos.

Luiz Alberto dos Santos, 42, advogado especialista em políticas públicas e gestão governamental, é subchefe de Coordenação da Ação Governamental da Casa Civil.


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