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JOÃO SAYAD
Calma
Nasci depois da Segunda Guerra
Mundial, quando o Brasil era um
dos destinos preferidos dos europeus
que fugiam da guerra e da pobreza.
Vinham "fazer a América". Seu João
Papudo, o guarda noturno da rua, era
alemão. Seu Francisco, português, trabalhava como jardineiro. D. Elvira,
costureira, era espanhola. A Maria de
minha casa tinha vindo de Aracaju.
Na adolescência, a minha geração se
emocionou com o suicídio de Getúlio,
o assassinato de Kennedy, a vitória da
revolução cubana apoiada pelos americanos, a eleição de JK, a construção
de Brasília, a marcha para o oeste e o
primeiro automóvel brasileiro.
Foi fácil arranjar o primeiro emprego, mesmo depois do golpe de 64. Em
compensação, perdemos liberdade e
tranqüilidade. Chico Buarque pedia
socorro aos bandidos: "Chame o ladrão! Chame o ladrão!".
Muitos foram estudar no exterior. E
voltavam, pois os salários no Brasil
eram maiores. A USP pagava mais
que o FMI e o Banco Mundial. A direita afirmava que a distribuição de renda era concentrada por causa dos altos
salários do pessoal com educação universitária.
Em 81 houve uma recessão quase tão
grande quanto a de 1930. Jovens adultos lutamos pela redemocratização do
país. Em 1985, o primeiro governo civil teve que administrar a superinflação causada pelo aumento dos preços
de petróleo, a dívida externa e o imenso déficit público deixado pelos governos militares.
Cai o muro de Berlim, o governo
Collor congela a poupança, vende casa
de ministro e abre a economia. Os automóveis brasileiros são chamados de
carroças. A recessão de 1990 é maior.
O Plano Real acaba com a inflação. A
dívida interna cresce e o desemprego
aumenta.
Passamos um terço da vida sob ditadura e outro terço em estagnação.
Na semana passada, sentimos a vida
como uma pasta de dente que há sessenta anos vem sendo espremida. Depois de tanto trabalho, discussão e torcida, fomos expelidos para fora do tubo, brancos e assustados, para descobrir que:
1) O número de pobres diminuiu (se
um pobre ganhar um real a mais acima de R$ 120 mensais, deixa de ser pobre);
2) a renda dos ricos diminuiu (é rico
quem ganha em média R$ 9.000 por
mês);
3) em decorrência de 1 e 2, a distribuição de renda melhorou. Antes tivesse piorado;
4) a renda per capita parou de cair
depois de dez anos de queda ininterrupta. Um anticlímax;
5) o produto nacional caiu 1,2 % no
último trimestre com relação ao trimestre anterior.
O Banco Central não acredita nos
dados e pede calma. Calma, pois a esperança de vida dos brasileiros aumentou, e quem chegou aos 60 anos
tem a esperança de mais vinte anos de
vida pela frente.
Podem ser vinte anos de vida numa
Terra mais quente e com a Amazônia
seca. É possível ainda que vejamos um
presidente eleito com apoio dos traficantes. Com certeza, viveremos num
país pobre, perigoso, sujo, com estradas esburacadas e inflação muito baixa. A natureza é sábia e nos protegerá:
estaremos surdos e não conseguiremos mais ler os jornais.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
jsayad@attglobal.net
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