São Paulo, sábado, 5 de dezembro de 1998

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Os atuais presidentes da Câmara e do Senado podem postular a reeleição?

NÃO
Fraude à Constituição

JOSÉ AFONSO DA SILVA
Noticia-se que o deputado Michel Temer e o senador Antonio Carlos Magalhães, de comum acordo, movimentam-se para ser reconduzidos às presidências da Câmara e do Senado.
Se isso ocorrer, estará sendo cometida uma grave violação à Constituição, que veda a recondução ao mesmo cargo da Mesa nas Casas do Congresso no período subsequente. É o que declara, lisamente, o parágrafo 4º do artigo 57: "Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente".
Não há nenhuma ressalva de que a vedação só valha na mesma legislatura e se admitiria, portanto, a recondução de uma legislatura para outra. Se a Carta quisesse restringir a recondução, nesse sentido, teria dito "vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente na mesma legislatura". Não o tendo feito, não é lícito ao intérprete introduzir regra não prevista, como seria o caso.
Essa questão surgiu na vigência da Constituição revogada. Algumas vozes isoladas entenderam que a proibição de reeleição da Mesa, prevista em seu art. 30, parágrafo único, não vigorava de uma legislatura para outra (Mayr Godoy, "A Câmara Municipal", pág. 87, 1978). De peso, só Hely Lopes Meirelles exprimiu esse entendimento, na 3ª edição de seu clássico "Direito Municipal Brasileiro"; mas, na 6ª edição, atualizada de acordo com a Constituição vigente, não sustenta mais aquele pensamento. Minha posição contrária já era destacada por Godoy no livro citado. Meu "Manual do Vereador" se pronunciou pela impossibilidade de reeleição para período imediatamente subsequente, "pouco importando se este pertence a outra legislatura. Quer dizer, esta não influi na questão".
Em relação à vedação contida no parágrafo 4º do art. 57, transcrito acima, minha opinião continua a mesma da seguinte passagem de meu "Curso de Direito Constitucional": "Fica a questão de saber se isso só vale dentro da mesma legislatura ou se também se aplica na passagem de uma para outra. O texto proíbe recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente; para nós isso significa, também, proibir a reeleição de membros da última Mesa de uma legislatura para a primeira da seguinte".
Com isso, a Carta quis e quer impedir o exercício contínuo de cargo da Mesa por quatro anos. Se a recondução é vedada para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, não há como pretender licitamente que a eleição subsequente na próxima legislatura esteja fora da proibição. O encerramento da legislatura só tem efeito especial sobre atos e procedimentos quando isso seja expressamente estabelecido na Constituição (e não é o caso) ou nas hipóteses previstas nos regimentos internos das Casas, que não podem alcançar disposições constitucionais.
A recondução pleiteada, portanto, viola a Constituição. Lamento que um constitucionalista do valor de Temer vá envolver-se numa fraude constitucional desse jaez, mormente tendo em vista ter ele adotado por inteiro nos seus "Elementos de Direito Constitucional", em comentário ao art. 57, parágrafo 4º da Carta, a lição de Geraldo Ataliba, candentemente contrária à reeleição (então, para qualquer cargo) da Mesa das Casas Legislativas.
Se a violação se consumar, como tudo indica, cabe ao Judiciário corrigi-la. Com efeito, lembrando lição de Lopes Meirelles ("Direito Municipal Brasileiro"), a eleição de membros da Mesa das Casas Legislativas como ato político-administrativo interno do plenário, embora seja "interna corporis", admite apreciação do Judiciário quando se questionar sobre a inobservância da Carta ou do regimento interno na sua realização. Se for arguido descumprimento das normas, com lesão de direito de parlamentar ou de partido (únicos que têm legitimidade para impugnar o pleito), o Judiciário pode e deve conhecer da arguição, dando-lhe provimento para repor a legalidade constitucional nos devidos termos.
Todos os parlamentares e partidos com representação na Câmara e no Senado têm direito subjetivo a ser dirigidos por uma Mesa eleita em conformidade com a Constituição.


José Afonso da Silva, 74, advogado, é secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP.




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