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Os atuais presidentes da Câmara e do Senado podem postular a reeleição?
SIM
Interpretação correta das normas
CELSO BASTOS
Constitui um velho ideal do Iluminismo a aplicação mecanicista do Direito,
a aceitação de que os significados das
palavras são tão evidentes que o intérprete cumpriria sua missão se se dispusesse a ler atentamente as disposições
que interpreta. Nada mais nocivo para
o Direito do que esse fetichismo, que
leva a cabo interpretações rígidas. Na
Constituição, nada é suficientemente
claro que não demande interpretação.
É que a linguagem normativa não
tem significações unívocas. Seus vocábulos comportam mais de um conceito, o que já seria o bastante para justificar a necessidade da interpretação. Há
que acrescentar hipóteses em que o texto legal vem inçado de erros de gramática, de lógica ou sintáticos, que obscurecem o conteúdo correto da norma.
Não se pode, pois, reduzir o intérprete a mero autômato. Todo ato interpretativo é um ato de vontade; contém em
si uma carga valorativa própria daquele
que desenvolveu a atividade interpretativa. Vale lembrar que a interpretação
constitucional não deve procurar obter
a vontade de uma norma isolada. Formando a Constituição um sistema,
suas normas deverão ser consideradas
coesas e mutuamente imbricadas. Jamais se poderá tomar alguma isoladamente.
Assim, passemos à análise da questão
do direito dos atuais presidentes da Câmara e do Senado de recandidatar-se
aos mesmos cargos na sessão legislativa
de 1999. Estabelece a Constituição que
o Poder Legislativo é exercido pelo
Congresso Nacional, que se compõe da
Câmara e do Senado, e que cada legislatura terá duração de quatro anos (parágrafo único do art. 44). A Carta é, como
se nota, explícita, fixando para cada legislatura o prazo certo de quatro anos.
Estabelece, mais adiante, a Carta (parágrafo 4º do art. 57): "Cada uma das
Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no
primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois
anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente
subsequente". Assim, dada posse aos
novos membros do Congresso, inicia-se nova votação para eleição das
respectivas Mesas. Os eleitos, aqui,
contarão com o mandato certo de dois
anos. O mandato parlamentar será de
quatro anos. No caso dos senadores, o
mandato dá direito a um total de oito
anos -o que representa, portanto, um
período de duas legislaturas.
A leitura afoita do texto permite o entendimento de que a expressão "vedada a recondução para o mesmo cargo
na eleição imediatamente subsequente" estaria a proibir a recondução do
parlamentar consecutivamente. A teleologia do parágrafo não vai a esse
ponto. Ela se restringe a regular o direito de eleição dentro de uma mesma legislatura, o que fica claro pela parte inicial, que fixa a data de 1º de fevereiro do
primeiro ano da legislatura como momento para a eleição das Mesas.
Findo o prazo de dois anos, contados
a partir dessa data, é que surge a possibilidade de recondução. E é essa a recondução proibida pelo texto. Findos
mais dois anos, encerra-se a legislatura
e, consequentemente, a regulação do
parágrafo 4º, que nada dispõe que ultrapasse a mesma legislatura; cada início seu equivale a um período inteiramente novo na vida congressual e profissional dos parlamentares.
Até mesmo no Senado tal ocorre; a
diferença é que o mandato senatorial
dá direito à permanência em duas legislaturas consecutivas. Mas ainda aqui
está presente a ruptura representada
pela mudança de legislatura; o senador
pode ocupar um cargo na Mesa na primeira legislatura do seu mandato e um
segundo no exercício da segunda legislatura, ainda que, temporalmente, o
desempenho dessas funções possa ser
consecutivo. Não é dessa hipótese que
o parágrafo 4º cuida. Ele não leva em
conta as reconduções quando elas se
dão em legislaturas diferentes.
A cláusula proibitória constitucional
limita-se a proibir a recondução na
mesma legislatura. Um deputado, para
iniciar sua segunda legislatura, tem de
reeleger-se, o que implica obter um
mandato novo. Se se fosse dar tratamento diferente para os reeleitos, estar-se-ia discriminando, sem legitimidade alguma, entre novos e "velhos"
deputados. Cada eleição, portanto, gera um novo direito de ocupar cargo na
Mesa, por uma legislatura. É o que expressamente dispõe o regimento interno da Câmara (parágrafo 1º do art. 5º):
"Não se considera recondução a eleição para o mesmo cargo em legislaturas diferentes, ainda que sucessivas".
O mesmo, no fundo, ocorre com o
Senado, com a única diferença de que
aqui o mandato já traz o direito de ocupar uma segunda legislatura, e o surgimento desta faz ressurgir seu direito de
ser regulado pelo parágrafo 4º, do que
advém o direito a novo cargo na Mesa,
esteja o senador na primeira parte da
legislatura ou na segunda.
Portanto, tanto o deputado federal
Michel Temer como o senador Antonio
Carlos Magalhães reúnem as condições
para recandidatar-se, no início da legislatura de 1999, a seus atuais cargos.
Celso Ribeiro Bastos, 60, advogado constitucionalista,
é professor de pós-graduação de direito constitucional e
direito das relações econômicas internacionais da
PUC-SP e diretor-geral do IBDC (Instituto Brasileiro de
Direito Constitucional).
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