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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Pensamento brasileiro
Todos têm o direito de formular
desejo de ano novo. Meu desejo
-distante dos temas a que costumo
dedicar esse espaço- é que a inteligência brasileira responda com coragem e inspiração ao momento frustrante que ela vive. E que, repudiando
as tendências intelectuais exauridas
que predominam nos Estados Unidos
e na Europa, se prepare para dar contribuição própria ao pensamento universal. Só assim terá como contribuir
também à demarcação do caminho
do Brasil. Tentativas políticas de dar
rumo original à nação continuarão
frágeis enquanto o país não contar
com tradições intelectuais mais independentes e fortes. Permaneceremos à
mercê das modas importadas e da desesperança alheia.
Não significa nos refugiar em idiossincrasias nativistas que nos isolem
das idéias em curso no mundo. Mas
também não se reconcilia com o que
nos tem pautado: a mera aplicação ao
Brasil daquilo que se pensa alhures.
Para ter o que dizer ao Brasil sobre o
Brasil é preciso ter o que dizer ao
mundo sobre o mundo. E, a partir
dessa visão universalizante, repensar
o país. Propor tal obra quando a universidade brasileira está destroçada
pode parecer extremo de ingenuidade. No reino do espírito, entretanto, as
tarefas, abraçadas com fervor, geram
as energias para forjar os instrumentos de sua execução.
Nas ciências sociais, inclusive as que
maior influência exercem -direito e
economia-, prevalece no Brasil de
hoje a justaposição de duas tradições
fatalistas. De um lado, um empirismo
míope e conservador, trazido da academia americana, menospreza e trivializa a reconstrução dos pressupostos institucionais e ideológicos de uma
sociedade. De outro lado, o resíduo
fossilizado das teorias deterministas
de outra época, como o marxismo,
distorce a natureza dessas estruturas
ao apresentá-las como produtos de
forças irresistíveis. Ciência social entre
nós virou mistura desse duas maneiras de explicar a necessidade do que
existe. A imaginação, porém, é antidestino.
Para o Brasil, que só pode tornar-se
o que quer ser inovando tanto nas instituições quanto nas idéias, o mais urgente é descobrir como desenvolver
maneira de entender as sociedades
que desmistifique as estruturas existentes, balizando o trabalho de reimaginá-las e de reconstruí-las. É mais fácil essa reorientação do pensamento
social surgir na periferia do Ocidente
do que em seus centros entediados.
Nas humanidades, não temos por
que nos contentar com uma consciência que se resigna ao distanciamento
entre o espaço público e o privado,
abandonando aquele aos pequenos
ajustes de interesses e entregando este
às aventuras de uma subjetividade incapaz de reordenar o mundo no qual,
no final de contas, todos temos de viver. Criticar velhas formas de consciência e de prática e inventar novas,
reconhecendo que numa democracia
a profecia há de falar mais alto do que
a memória -essa é a vocação das humanidades num país cuja alta cultura
está drenada de vida e cuja cultura popular, cheia de vida, está carente de visão.
Teremos nós a grandeza -mais
moral do que intelectual- para buscar dentro de nós mesmos as forças e
as inspirações necessárias ao cumprimento dessa tarefa vivificante? Daremos a volta por cima dos desencantos
que nos cercam? Que o façamos, sim,
contra a lógica das coisas feitas e mortas -esse é meu voto de ano novo.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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