São Paulo, terça-feira, 06 de janeiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

A degola dos inocentes

RIO DE JANEIRO - Houve tempo em que havia reis magos. Para falar a verdade, ainda existem reis e magos. A Espanha tem o rei Juan Carlos, e o Brasil tem o mago Paulo Coelho. O difícil é juntar os dois, a mistura não seria boa nem para o rei nem para o mago.
Hoje é Dia dos Reis Magos. Discute-se há séculos se eram realmente reis e magicamente magos. O fato é que viram uma estrela no Oriente e foram, "cum muneribus", isto é, com presentes, adorar um menino que nascera numa manjedoura em Belém.
Apesar da estrela que os guiava, perguntaram onde ficava a tal manjedoura, pois queriam adorar um rei que acabara de nascer. E aí um outro rei, que nem era mago, mandou matar todas as criancinhas para não ter nenhum sucessor. Séculos depois, Rubens e outros pintores fizeram quadros alusivos ao episódio, que passou à história como a "matança dos inocentes". Mães descabeladas tentando salvar os filhos que iam ser degolados pelos esbirros de Herodes.
À primeira vista, tudo pode ser atribuído a tempos antigos, quando o poder era disputado na base da porrada. A humanidade civilizou-se, mas não tanto. É comum um rei fazer tudo para não perder seu reinado. E, mesmo nas democracias, há sempre aquele momento em que um presidente pensa não em degolar inocentes, mas em degolar possíveis sucessores, inocentes ou não.
Fala-se na reeleição do atual presidente. Armam-se esquemas táticos, de marketing e de finanças, para garantir mais um mandato para Lula. Governadores de dois Estados, Alckmin e Aécio, de São Paulo e de Minas respectivamente, com certa boa vontade poderiam ser considerados jovens, mas já estão crescidinhos e não chegam a ser inocentes de todo. Para chegarem lá, devem ter feito das suas.
Por sua vez, apesar de sua origem humilde, Lula tem agora alguma coisa de rei e de mago. Mais para mago do que para rei, porque está sempre prometendo um grande espetáculo que vai requerer, além de magia, bastante mandinga.


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