São Paulo, terça-feira, 06 de janeiro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Um self-service chamado SUS
JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI
Essa questão fica mais grave nos 1.700 hospitais privados contratados que atendem simultaneamente a planos de saúde e ao SUS. Se, apesar da complacência, alguma cobrança chega ao fim, em geral dois ou mais anos depois, o plano de saúde pede parcelamento em 60 meses, o que é frequente e generosamente concedido. Em resumo, os recursos do ressarcimento não vêm para os cofres públicos, a não ser precariamente, e o pouco que chega não vai para os hospitais prestadores, que estão cada vez mais sucateados. Ao final da CPI dos Planos de Saúde, o correto seria advertir as operadoras e a ANS e exigir desta última eficiência imediata no cumprimento da lei 9.656. Mas não. O seu relatório tenta "corrigir" um erro com outro ainda maior, sugerindo o pagamento de uma taxa fixa anual, que acabará por dar permissão de uso do sistema público como um self-service, saciando o apetite de lucro das operadoras e legalizando o parasitismo predatório em detrimento dos usuários do SUS, incluída aí a classe média, pois boa parte dela encontra-se hoje sem condições de continuar pagando suas mensalidades. Nem é preciso ser médico, acostumado a fazer diagnósticos, para concluir que esse acordo já estava combinado entre as operadoras, a ANS e setores do governo. O resto foi teatro. Estou certo de que o presidente pensará duas vezes antes de assinar essa medida provisória, pois será mais uma sangria nos serviços de saúde e ocasionará um acréscimo importante às dificuldades crescentes impostas aos usuários do SUS, somadas à já enorme demanda reprimida do setor. O "teto" de faturamento do SUS limita em 30% o uso dos hospitais públicos pelos seus usuários, e a segunda porta rouba mais 25% dos leitos e ambulatórios. Essa nova prática diminuirá ainda mais o espaço reservado nos hospitais públicos àqueles que deles mais necessitam. Sobrará pouco para os 70% dos brasileiros que têm, nesses hospitais, a única possibilidade de usufruírem de ações de maior complexidade para curarem suas doenças graves, para mitigarem seu sofrimento e para salvarem suas vidas. Na realidade, para solucionar esse problema, bastaria que a lei 9.656 fosse cumprida com eficiência pela ANS. Na constatação cabal de que isso não acontecerá, estamos propondo em um novo projeto de lei a delegação pela ANS dessa função aos próprios hospitais públicos para possibilitar que o ressarcimento se concretize, carreando mais recursos ao SUS e transferindo os honorários profissionais aí involucrados diretamente aos médicos e trabalhadores de saúde que têm hoje salários incompatíveis com suas funções. Tanto a direção da Faculdade de Medicina da USP como o próprio governo do Estado estão de acordo e dispostos a iniciar imediatamente a sua implantação pela via administrativa caso a ANS delegue a eles essa função. Criar-se-ia assim uma condição ética em que todos os usuários poderiam ser atendidos igualitariamente nos hospitais públicos -que, por sua vez, usufruiriam de mais recursos para oferecer melhores serviços à população. Ganham com essa medida usuários, hospitais prestadores e trabalhadores de saúde. É difícil entender por que até agora não aconteceu. José Aristodemo Pinotti, 69, deputado federal pelo PFL-SP, é professor titular de ginecologia da Faculdade de Medicina da USP. Foi secretário da Educação (1986-87) e da Saúde (1987-91) do Estado de São Paulo, secretário da Saúde do município de São Paulo (2000) e reitor da Unicamp. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Roberto Leal Lobo e Silva Filho: A escola e o profissional do futuro Índice |
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