São Paulo, terça-feira, 06 de janeiro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A escola e o profissional do futuro
ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO
Alguns desses talentos tornam-se muito difíceis de desenvolver por meio das formas de lecionar as disciplinas tradicionais. O caso mais típico é o do ensino de línguas. As poucas horas por semana ministradas em algumas de nossas escolas, para turmas de 30 ou mais alunos, não se têm mostrado capazes de ensinar quase nada, simplesmente porque não é assim que se aprende uma língua. A melhor maneira de dominá-la é vivenciá-la na prática e depender dela para vencer algum obstáculo concreto. Quando se precisa da língua para sobreviver, aprende-se em muito pouco tempo e melhor do que tendo por oito anos duas horas de aula por semana. Imaginemos, então, aulas de empreendedorismo! Como se ensina isso? Colocando uma disciplina de duas horas no currículo? Quando, em que ano de formação? Que disciplina devemos retirar para que essa atividade entre nas escolas que trabalham com o aluno em período parcial? Será que adianta, já que os próprios professores, em sua maioria, não são empreendedores nem passaram por experiências empreendedoras? O desafio do Brasil é ainda maior pela pouca experiência que temos em programas educacionais bem-sucedidos. As competições e os testes internacionais sempre nos colocam em posição altamente desvantajosa em relação ao resto do mundo. Temos dificuldade de fazer com que nosso estudante aprenda a pensar por si mesmo, sem tentar, a cada desafio, lembrar-se do que constava de uma apostilha que memorizou, mas não metabolizou, porque não foi desafiado a entender, a cada passo, as diferentes facetas do problema e a testar sua própria compreensão. Ensina-se muito em extensão e pouco em profundidade. Embora correndo o risco de incompreensões, por apresentar o tema nesse espaço reduzido, afirmo que a visão da pós-modernidade ingênua, que defende que a verdade não existe, sendo a verdade de cada um tão boa quando as dos outros "porque tudo é uma questão de opinião", é um fator que não estimula o espírito científico da juventude. De fato, nunca se deve pretender chegar a uma verdade final e definitiva -que cega a visão histórica do conhecimento e despreza a postura dos verdadeiros sábios de querer sempre aprender mais-, mas o puro abandono da postura intelectual séria tem cedido lugar à postura opinativa sem fundamento. Para que estudar se toda opinião vale a mesma coisa, tendo ou não sido emitida por um estudioso do tema? Uma outra deficiência é que a formação mais ampla, necessária à compreensão das diferentes culturas e das tecnologias modernas, vem sendo dificultada, no Brasil, pela idéia de que cultura se resume à cultura humanística -à qual se soma, no máximo, a preocupação com o ambiente. A ciência não é tratada como uma componente importante da cultura atual, mas como um saber frio e sem compromisso social. A falta da formação científica, além de ser um forte "handicap" cultural para nossos estudantes, vem prejudicando os profissionais de todas as áreas, que se sentem incapazes de ler um gráfico, de entender uma relação numérica, de gerar um modelo quantitativo -que não são habilidades úteis somente na matemática, mas essenciais, por exemplo, no planejamento de todas as áreas, inclusive a familiar. Finalmente, mas não menos importante, a permissividade com a falta de disciplina e de respeito pelos mestres, que se generalizou no mundo, mas é ainda mais acentuada em nosso país, agrega ao ceticismo da nova geração em relação ao conhecimento o ceticismo pelos seres que conhecem, em que se incluem seus mestres. Não sintetizo uma postura pessimista sobre o futuro, mas tento fazer um alerta que muitos não desconhecem, mas se calam diante do corporativismo e da defesa ideológico-partidária que atrasaram o Brasil na educação em geral. O desafio que o nosso país enfrenta para se desenvolver passa, necessariamente, pela educação, em que teremos de rever, mais do que nossos currículos, nossas formas de ensinar, mais do que ensinar, nossas formas de pensar e, mais do que pensar, nossas formas de agir. Roberto Leal Lobo e Silva Filho, 63, doutor em física pela Universidade de Purdue (EUA), é diretor da Lobo & Associados Consultoria e Participações. Foi reitor da USP. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES José Aristodemo Pinotti: Um self-service chamado SUS Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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