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JOSÉ SARNEY
O jogo das inverdades
Estamos todos na simulação de
que somos patetas e não somos.
Bush diz que fez a Guerra do Iraque
porque a CIA lhe informou que o Iraque tinha um arsenal de máquinas
mortíferas de guerra biológica, química e nuclear capaz de destruir o mundo. E tinha feito tudo isso às escondidas, sob embargo das Nações Unidas,
privado de vender o seu petróleo.
Vem o secretário Paul O'Neill, do Tesouro americano, que participava desde o início do governo Bush das reuniões mais fechadas, e diz que o presidente americano, logo nos primeiros
encontros, disse que iria invadir o Iraque, o "império do mal", onde existia
um demônio chamado Saddam, que
"quis matar papai" (palavras literais).
Não falou em armas de destruição em
massa nem nada. Era a simples vendeta texana.
Agora, Bush, acuado pelas críticas e
pela eleição, diz que foi enganado pela
CIA. E manda abrir investigação para
saber como a CIA soube das armas
que não existiam. O senhor Kay, inspetor-chefe na busca de armas, o buscador-mor, proclama no Senado americano que as tais armas nunca existiram.
Na linha das nossas patetices, vem o
Blair, o garoto da Inglaterra, o anti-Churchill, e tem a desfaçatez de dizer
que foi à guerra porque existiam essas
armas e que o serviço secreto britânico lhe tinha comunicado isso. Blair
não foi por causa dos Estados Unidos
nem para ser solidário a Bush, foi por
dever de salvar a humanidade! Há alguém que possa acreditar nisso? Mas a
coisa não fica só aí. O homem que
confessou à BBC que tudo era uma
farsa teve de suicidar-se, o repórter
que publicou foi demitido, e a BBC,
acusada de dizer uma inverdade. Isto
é, as armas que não existiam não existiam mesmo, mas, para Blair convencer o Parlamento, elas existiram e, se
não existiram, os que não acreditaram
que elas não existiam devem ser punidos, embora elas realmente não existam. É tudo um jogo de muitas inverdades e de esgrima de mentiras.
Por que não dizer que fizeram a
guerra para tirar Saddam, realmente
um ditador execrável? E, se todos podíamos não concordar com o método,
pelo menos sabíamos que os Estados
Unidos e a Inglaterra são governados
por homens sérios, e não por espertalhões a serviço de paixões pessoais.
Mas a melhor pérola vem de Rumsfeld: "As armas de destruição não foram encontradas, mas isso não prova
que elas não existam". Isto é, estão em
estado gasoso.
Ganhar uma guerra é muito mais fácil do que ganhar a paz. O mundo está
desorganizado. Bush conseguiu esse
feito. As prévias americanas estão expondo as feridas que sangram desse
processo iraquiano, inclusive seus interesses ocultos de petróleo, de reconstrução, de venda de serviços e de
outras coisas que não cheiram bem.
O mais triste de tudo isso é nossa
vulnerabilidade a uma ordem mundial em que um só país concentra tanta força e poderio. E essa força e poderio estão concentrados em um só homem, marcado pelas cicatrizes de um
passado familiar de insucesso marcial.
Saddam está preso. Mas, por essas ironias da história, Bush também está
preso nas manobras que construiu para fazer a guerra e nas inverdades que
teve de dizer. Sua Mônica Lewinsky
está cada vez mais próxima do beco
sem saída de Bagdá.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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