São Paulo, quarta-feira, 06 de fevereiro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sobre o Reuni

NAOMAR DE ALMEIDA FILHO


Por que só os alunos lutam contra a reestruturação da universidade pública? Forças reacionárias predominam no movimento estudantil?


O REUNI é um ambicioso programa de expansão e reestruturação do sistema federal de educação superior, parte integrante do PAC da Educação. Foi concebido para duplicar a oferta de vagas públicas no ensino superior, com um orçamento de R$ 7 bilhões aplicados em cinco anos. Por razões ainda mal-entendidas, o Reuni sofreu intensa oposição de parte do movimento estudantil. Houve tumulto e violência em reuniões de conselhos universitários; reitorias foram invadidas; várias ocupações somente terminaram mediante mandados judiciais de reintegração de posse.
De nada adiantou. No prazo, todas as instituições federais de ensino superior (Ifes) aderiram ao Reuni e apresentaram propostas comprometendo-se a alcançar, ao final do programa, taxa de conclusão de 90% e relação aluno/professor de 18/1. Convém registrar que o indicador da taxa de conclusão, aparentemente inalcançável como média geral, na verdade incentiva o aproveitamento de vagas residuais por mobilidade interna ou externa. Por outro lado, a relação aluno/professor pode incorporar estudantes de pós-graduação, obedecendo aos critérios de qualidade da Capes.
Trinta anos depois da expansão resultante da reforma universitária de 1968, o crescimento da rede federal de ensino superior, no final dos anos 1990, foi iniciativa das universidades públicas e caracterizou-se por uma estratégia institucional de criação de fatos consumados. A universidade abria cursos novos ou ampliava a oferta de vagas sem contar com docentes, instalações, recursos financeiros; só depois se buscava criar as condições mínimas para tanto. Esse tipo de crescimento pode ser chamado de "autonomia-sem-apoio". Nessa fase, as Ifes submeteram-se a vigoroso ajuste, que, otimizando recursos humanos e materiais, conseguiu ampliar a relação aluno/professor do patamar de 7/1 para quase 12/1.
A segunda onda de expansão ocorreu no primeiro governo Lula, liderada pelo ministro Fernando Haddad. A principal característica dessa fase foi a interiorização da universidade brasileira, como atendimento emergencial a demandas históricas de populações e regiões representadas por lideranças político-partidárias. Nesse caso, os fatos consumados eram criados pelo governo federal, pouco respeitando a autonomia das Ifes. Por esse motivo, pode-se dizer que se trata de crescimento tipo "apoio-sem-autonomia". A estratégia institucional predominante baseava-se em implantação de cursos simultaneamente à contratação de docentes e à realização dos investimentos necessários. Nessa fase, o financiamento tem sido realizado durante a expansão de atividades da universidade.
O Reuni inaugura uma terceira fase de expansão do sistema universitário federal. Agora temos um modelo de crescimento da educação superior que, por um lado, respeita a autonomia universitária, acolhendo propostas específicas elaboradas por cada uma das instituições participantes do programa. Por outro lado, pela primeira vez, aplicação de recursos de custeio, investimentos, modelagem pedagógica e contratação de docentes e servidores são feitos antes da expansão de atividades e de vagas. A modalidade de crescimento "apoio-e-autonomia" parece em tese o melhor dos mundos. Não obstante, algumas questões precisam ser consideradas.
Primeiro, o Reuni implica planejamento estratégico de atividades das Ifes, obrigando-as a pensar o futuro de curto e médio prazo. Em segundo lugar, os apoios vinculam-se ao atendimento de metas pertinentes, supervisionado por sistemas de avaliação. Enfim, o REUNI representa um poderoso indutor de eficiência institucional e de qualificação pedagógica.
Desse modo, ao reduzir a enorme dívida social do ensino superior, implica enorme potencial de revalorização do campo público da educação. Nesta conjuntura, em todas as IFES, dirigentes acadêmicos, encorajados por incentivos gerenciais e financeiros do MEC, decidem mudar a universidade; docentes e técnicos, inspirados em tendências contemporâneas, elaboram novos modelos de renovação curricular; servidores, antevendo melhores condições de trabalho e valorização do serviço público, engajam-se ao processo. Porque somente os alunos, representados por uma minoria (pois a omissão da maioria estudantil não os exime da responsabilidade política), resistem às mudanças e lutam contra a expansão e reestruturação da universidade pública brasileira?
Será que, hoje, forças reacionárias e conservadoras predominam no interior do movimento estudantil?


NAOMAR DE ALMEIDA FILHO , 55, doutor em epidemiologia, pesquisador do CNPq, é professor titular do Instituto de Saúde Coletiva e reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

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