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OTAVIO FRIAS FILHO
Guerra ao crime
Por conta do avanço calamitoso
do crime organizado, sobretudo
no Rio de Janeiro, a sociedade parece
inclinada a aceitar o emprego das Forças Armadas, talvez em caráter duradouro, no enfrentamento do problema. Mesmo para seus proponentes, a
tentativa de solução é vista não como
apropriada, mas como urgente e imprescindível dada a falta de opção.
Todos sabem que o ambiente das
grandes cidades favorece o crime, que
esse fenômeno tem raízes no desemprego e é estimulado pelo contraste
entre riqueza e pobreza extremas. A
quebra de valores tradicionais e familiares também contribui com sua parcela, assim como a repressão ineficaz,
mal aparelhada e tantas vezes comprometida com redes de criminosos.
As soluções tampouco são desconhecidas: o Estado deveria dotar as regiões urbanas mais pobres de serviços
e lazer, a economia deveria oferecer
mais facilidade de ascensão social
dentro da lei, como ocorria até duas
décadas atrás. A polícia deveria ser
mais bem aparelhada, treinada e remunerada. Acontece que faltam recursos e tempo para que tais políticas
sejam implementadas; daí a pressa,
daí a solução militar.
Pelos riscos que acarreta, essa é uma
decisão a ser muito meditada. Argumenta-se com razão que o Exército
não está preparado para o combate ao
crime, o que ficou patente quando se
apelou para uma intervenção temporária, há cerca de dez anos, no Rio. A
presença do Exército nas áreas de controle do crime organizado surtiu efeito
passageiro, quase simbólico.
Mas o risco maior é o outro, já apontado pelos críticos da idéia. É enorme
o poder de corrupção por parte do crime organizado, que tende a estabelecer laços e infiltrações nas forças destinadas a reprimi-lo. A sociedade brasileira estará disposta a submeter o
Exército -o último recurso de poder
nacional- ao mesmo processo de deterioração que gangrenou parte expressiva das polícias?
Pergunta-se qual a utilidade, então,
das Forças Armadas. No início do governo Lula, quando tudo ainda eram
rosas, cogitou-se de usar o Exército
para o programa da fome, para erradicar o analfabetismo, para reforçar o
patrulhamento policial nas fronteiras... Quase não houve pasta ministerial que não o incluísse em seus devaneios a fim de compensar a míngua de
recursos orçamentários.
Para quem adota o pacifismo como
princípio absoluto, exércitos são nocivos, além de inúteis, e deveriam ser
dissolvidos. Para quem prefere a tese
latina de que a melhor forma de manter a paz é preparar-se para a guerra, a
utilidade dos exércitos está em não serem empregados. Funcionam como
força dissuasória, recurso que exerce
seus efeitos pelo fato de existir.
Ficou famosa na crônica histórica a
repulsa do Exército pelo papel de força auxiliar na captura de escravos fugidos -uma das alegadas razões de
sua incompatibilidade com a monarquia então agonizante. Mais de cem
anos depois, de novo se cogita de lhe
dar função policial.
Se a União precisa de uma força de
repressão, até para enfrentar situações
em que as polícias militares se amotinam, como ocorreu em anos recentes,
então que se crie uma Guarda Nacional. Poderia até ser um desmembramento das Forças Armadas. Mas romper o cordão sanitário que até aqui
tem protegido o Exército parece arriscado, para não dizer temerário.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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