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São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2003

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OTAVIO FRIAS FILHO

Guerra ao crime

Por conta do avanço calamitoso do crime organizado, sobretudo no Rio de Janeiro, a sociedade parece inclinada a aceitar o emprego das Forças Armadas, talvez em caráter duradouro, no enfrentamento do problema. Mesmo para seus proponentes, a tentativa de solução é vista não como apropriada, mas como urgente e imprescindível dada a falta de opção.
Todos sabem que o ambiente das grandes cidades favorece o crime, que esse fenômeno tem raízes no desemprego e é estimulado pelo contraste entre riqueza e pobreza extremas. A quebra de valores tradicionais e familiares também contribui com sua parcela, assim como a repressão ineficaz, mal aparelhada e tantas vezes comprometida com redes de criminosos.
As soluções tampouco são desconhecidas: o Estado deveria dotar as regiões urbanas mais pobres de serviços e lazer, a economia deveria oferecer mais facilidade de ascensão social dentro da lei, como ocorria até duas décadas atrás. A polícia deveria ser mais bem aparelhada, treinada e remunerada. Acontece que faltam recursos e tempo para que tais políticas sejam implementadas; daí a pressa, daí a solução militar.
Pelos riscos que acarreta, essa é uma decisão a ser muito meditada. Argumenta-se com razão que o Exército não está preparado para o combate ao crime, o que ficou patente quando se apelou para uma intervenção temporária, há cerca de dez anos, no Rio. A presença do Exército nas áreas de controle do crime organizado surtiu efeito passageiro, quase simbólico.
Mas o risco maior é o outro, já apontado pelos críticos da idéia. É enorme o poder de corrupção por parte do crime organizado, que tende a estabelecer laços e infiltrações nas forças destinadas a reprimi-lo. A sociedade brasileira estará disposta a submeter o Exército -o último recurso de poder nacional- ao mesmo processo de deterioração que gangrenou parte expressiva das polícias?
Pergunta-se qual a utilidade, então, das Forças Armadas. No início do governo Lula, quando tudo ainda eram rosas, cogitou-se de usar o Exército para o programa da fome, para erradicar o analfabetismo, para reforçar o patrulhamento policial nas fronteiras... Quase não houve pasta ministerial que não o incluísse em seus devaneios a fim de compensar a míngua de recursos orçamentários.
Para quem adota o pacifismo como princípio absoluto, exércitos são nocivos, além de inúteis, e deveriam ser dissolvidos. Para quem prefere a tese latina de que a melhor forma de manter a paz é preparar-se para a guerra, a utilidade dos exércitos está em não serem empregados. Funcionam como força dissuasória, recurso que exerce seus efeitos pelo fato de existir.
Ficou famosa na crônica histórica a repulsa do Exército pelo papel de força auxiliar na captura de escravos fugidos -uma das alegadas razões de sua incompatibilidade com a monarquia então agonizante. Mais de cem anos depois, de novo se cogita de lhe dar função policial.
Se a União precisa de uma força de repressão, até para enfrentar situações em que as polícias militares se amotinam, como ocorreu em anos recentes, então que se crie uma Guarda Nacional. Poderia até ser um desmembramento das Forças Armadas. Mas romper o cordão sanitário que até aqui tem protegido o Exército parece arriscado, para não dizer temerário.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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