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São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os novos disfarces do anti-semitismo

JACK TERPINS

Fez bem o governo Lula em criar a Secretaria Nacional de Combate ao Racismo, porque o racismo é uma luta de todos. Como não existe raça, por ser ultrapassado esse conceito antropológico de subdivisão da espécie humana, incluem-se nas questões da nova secretaria "as formas contemporâneas de racismo e discriminação racial, que abarcam, entre outras, as manifestações contra negros, árabes e muçulmanos, xenofobia, anti-semitismo e a intolerância a elas relacionadas" (item 17 da resolução 623 da Assembléia Geral da ONU, de 9/12/98).
Os judeus são vítimas do racismo que, há pouco mais de meio século, materializou-se na forma de milhões de mortos. Havia uma suposta "raça superior", que não admitia seres "inferiores", como judeus, negros, homossexuais de qualquer país, ciganos e comunistas de qualquer região. Os diferentes. Os "outros".
Essas manifestações são cada vez mais intensas nos últimos tempos. É possível que as pessoas nem se apercebam delas e que os meios de comunicação pouco se dêem conta, porque não alcançam a repercussão desejada. Mas o fato é que, desde o fim da Segunda Guerra, nunca se assistiu a uma onda de anti-semitismo tão grande na Europa e nas Américas. Mais uma vez, como a um filme que se reprisa a cada crise, os judeus passam de vítimas a culpados.
Toma-se o todo por uma parte: não se justifica o anti-semitismo em razão dos conflitos entre israelenses e palestinos, vinculando um governo, que é efêmero, a toda uma nação; não se justifica o anti-semitismo para vingar os estragos promovidos pelo neoliberalismo nos países por onde passou sem deixar pedra sobre pedra; e, pela mesma razão, não se explica culpar os judeus, aqui ou em qualquer lugar do mundo, pela insistência do presidente norte-americano em fazer a guerra contra o Iraque.
Aos judeus não interessa o petróleo de Saddam Hussein. Apenas que não ataquem Israel. Afinal, se não por outras razões, lá vivem milhões de seres humanos, entre eles árabes israelenses, gozando a democracia e a liberdade de expressão que os cidadãos do Iraque não têm.


Toquem os sinos de alerta. O perigo do anti-semitismo é um risco para toda sociedade democrática


Como uma história recorrente e um mal acometido de insidiosa recidiva, os judeus são, de novo, a "bola da vez". Disso se aproveitam os que têm o anti-semitismo de forma latente. Os eventos do Oriente Médio viraram uma espécie de festa midiática, o único conflito da Terra com som e imagem diários e do qual o sionismo é o vilão ideológico preferido. Como a globalização banalizou conceitos e colocou no mesmo balaio o que antes era motivo de guerras e conflitos em assembléias estudantis, restou para os ataques de conveniência o movimento que deu origem ao Estado de Israel, o sionismo, e os homens que dele fazem parte, os judeus.
Assim, o anti-sionismo serve para mascarar o anti-semitismo: ou seja, como Israel é o lar nacional judaico, nada melhor do que varrê-lo do mapa para excluir os judeus do convívio dos povos. Pode até ser eficiente, pois, de um só golpe, sataniza-se o judeu e demoniza-se Israel.
Este é o momento sempre propício para a erupção de manifestações que pretendam rever a história e de que são caso exemplar as publicações de um modo geral, como livros, no Brasil inclusive, tentando desmentir filmes, testemunhos, documentos, confissões, julgamentos e condenações de gente culpada pelos horrores da Segunda Guerra de que foram vítimas os judeus, ciganos, comunistas, homossexuais e quem mais os nazistas pudessem matar.
É verdade que, após a guerra, houve outras matanças, como as perpetradas pelo Khmer Vermelho no Camboja, a selvageria interétnica na África; mas nada comparado à eficiência industrial de uma verdadeira linha de montagem das máquinas da morte nazistas, determinadas a aniquilar os judeus como povo, como cultura e como civilização.
Toquem os sinos de alerta. O perigo do anti-semitismo é um risco para toda sociedade democrática. Os anti-semitas aproveitam qualquer momento para afrontá-la. Sessenta anos depois do início desse assassinato em massa, que sepultou vidas e esperanças e recebeu o nome de Holocausto, os sobreviventes que eram testemunhas dão lugar aos historiadores. O tempo vivido é substituído pelo tempo lembrado. Aí mora o perigo de que é forma acabada o editor Siegfried Elwanger Castan, do Rio Grande do Sul.
Para negar o Holocausto, Siegfried procura abrigo nas sagradas garantias constitucionais da liberdade de expressão ou nos desvãos dos debates a respeito de raça, enquanto pratica aquela distorção sempre pautada pela ignorância e pela má-fé. Ao se esforçar para apagar a falta, Castan pretende abrir caminho para a repetição dos erros. E é em um ambiente como esse, de malcheiroso anti-semitismo e descarado desprezo pela verdade histórica, que proliferam os Elwangers. Como se lê, não faltará serviço à nova Secretaria Nacional de Combate ao racismo.

Jack Terpins, 54, engenheiro, é presidente da Confederação Israelita do Brasil e do Congresso Judaico Latino-Americano.


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