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São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Conhecimento e política tecnológica

CARLOS AMÉRICO PACHECO

Conhecimento e inovação são cruciais para a competitividade. A noção de "economia do conhecimento" salienta a importância desses ativos. Mas é uma categoria em construção, que diz pouco da dinâmica real da inovação. Para ir além do senso comum é necessário compreender o que são os sistemas nacionais de inovação e, na sequência, fortalecê-los. Já demos alguns passos.
A criação dos fundos setoriais foi a parte mais visível da política de C&T (ciência e tecnologia) dos últimos anos. Mobilizaram-se recursos adicionais e avançou-se na articulação entre governo, empresas e academia. Essa não é uma tarefa fácil, mas é fundamental, porque amplia a relevância da política e, com isso, também os recursos. O interesse pelos fundos reduziu a atenção a outras medidas: a reestruturação da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos); a incorporação da inovação à agenda; a maior cooperação entre universidade e empresa; os incentivos a pesquisa e desenvolvimento empresariais, como a lei nš 10.332, que permite subvenção e equalização de juros, ou a minirreforma tributária de 2002, que possibilita deduzir em dobro os gastos das empresas com pesquisa.
Os fundos foram um vasto campo de experimentação. A ênfase foi consolidar o sistema nacional, focalizando a ação na interface entre público e privado. Algo que fosse além das visões particulares. Uma aliança estratégica entre universidade e empresa.
A universidade não pode -nem irá- substituir o esforço da empresa. Esta também não irá financiar a universidade. Trata-se de modificar o ambiente em que se situam e reforçar a cooperação. A política de muitos países está centrada em novas formas de parceria, entre empresas, em redes acadêmicas ou entre empresas e universidades. Além de financiar empresas, projeto por projeto, enfatizam-se ações amplas, que criem um ambiente inovador. Estou absolutamente convencido da importância de aproximar esses atores.
O dilema macroeconômico reforça essa tese. Se, no curto prazo, é difícil mudar as políticas de metas inflacionárias e o câmbio flexível, também é ilusório esperar conciliá-las com as aspirações nacionais. A restrição fiscal e a manutenção do patamar dos juros reais limitam o crescimento. Conduzem à elevação da carga tributária, "pari passu" à subida dos juros, ou geram uma pressão permanente para elevar o superávit primário, frustrando a todos.


A universidade não pode -nem irá- substituir o esforço da empresa. Esta também não irá financiar a universidade


Os rumos da política pós-crise mexicana de 1996, as querelas sobre o Ministério da "Produção", em 1998, e o sepultamento do "desenvolvimentismo", em 2003, são o retrato da supremacia do Banco Central. O problema da opção vencedora é sua incompatibilidade com o crescimento. E o problema atual é a inexistência de alternativas: ou um "stop and go" modesto, a depender da conjuntura internacional, ou uma crise movida pela frustração. Por tudo isso, é central formular políticas de suporte à competitividade e à inovação que ampliem o saldo comercial.
A política de C&T tem um papel nesse desafio. Faz parte, por ação ou omissão, da política econômica. É aqui que ela se fortalece e ganha expressão. Isolada, circunscrita à agenda de seus atores mais imediatos, cai no esquecimento. Torna-se secundária e mingua.
Exemplos não faltam. A reserva de contingência dos fundos setoriais dará em 2003 uma "contribuição" ao ajuste fiscal de R$ 595 milhões. A programação orçamentária cortou (ilegalmente) mais R$ 354 milhões do limite financeiro do Ministério da Ciência. Tudo isso apesar dos gastos em C&T estarem "protegidos" pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. Esses valores representam cerca de 30% do orçamento -um percentual alto, mesmo para anos difíceis. Isso depois de o Congresso ter reafirmado que não se poderia contingenciar gastos em C&T.
O certo é não esperar a solução macro e avançar na política tecnológica. Há que ofertar crédito a juros baixos, utilizando os recursos orçamentários para equalização e os mecanismos que já existem. Capitalizar a Finep e ampliar seu "funding". Dar um destino nobre à reserva de contingência dos fundos setoriais.
O Tesouro já acumula R$ 800 milhões, e neste ano serão mais R$ 600 milhões, que poderiam ser aportados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento, sem impacto no superávit primário, ampliando a oferta de crédito.
Novos fundos e novas parcerias devem ser pensados, com ênfase em serviços e parques tecnológicos. Há que dar urgência à regulamentação da lei 10.637, que incentiva as atividades de P&D (pesquisa e desenvolvimento) empresariais. E é fundamental votar a Lei de Inovação, que está no Congresso, apesar de o Executivo ter retirado o pedido de urgência no exame da matéria.
Parcerias públicas e privadas desempenham papel crucial na política de C&T. Se os exemplos nacionais são insuficientes, é possível se inspirar na experiência internacional. Não se pode é praticar uma política de C&T calcada na oferta, retrocedendo décadas.
A formação de recursos humanos é fundamental, mas é absolutamente insuficiente, pois atinge marginalmente a empresa, onde se faz inovação. Isso não significa orientar a política unicamente pela demanda. Significa articular os diversos atores. Essa é a tarefa básica, e não é fácil. Essa agenda é urgente. O tempo é, na realidade, o recurso mais escasso do governo. E o tempo para construir é sempre o mais escasso.

Carlos Américo Pacheco, engenheiro pelo ITA, doutor em economia, é professor do Instituto de Economia da Unicamp. Foi secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia (1999-2002).


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