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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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SEM PRECONCEITO

A partir de meados do ano passado, o Brasil se viu submetido a uma retração da oferta de crédito externo de intensidade raras vezes vista. Sofreram cortes até mesmo as linhas de crédito à exportação -que propiciam alta rentabilidade e implicam baixo risco para os credores, pois as próprias mercadorias servem de garantia.
Os efeitos adversos dessa retração -com destaque para a queda das reservas de divisas do Banco Central (BC), a explosão da cotação do dólar, a alta da inflação e a elevação da taxa de juros- ainda se fazem sentir. Mas os eventos das últimas semanas indicam que já está em curso uma reversão. Graças a fatores como a melhora do saldo comercial e a redução da desconfiança dos investidores em relação ao novo governo brasileiro, assiste-se a uma retomada progressiva do acesso ao crédito externo.
O processo é ainda incipiente e tem como um de seus fatores de estímulo o imenso diferencial entre a taxa de juros altíssima praticada no Brasil e os juros internacionais, que se encontram em níveis muito baixos. Essa rentabilidade diferenciada atrai ao país capitais voláteis, que buscam ganhos de curto prazo.
Por basear-se em grande medida nessa atração de "hot money", o alívio financeiro propiciado pela volta dos capitais externos é ainda frágil e sujeito a reversão. Não faltam exemplos, aqui mesmo no Brasil, da brutal volatilidade que esses capitais são capazes de impor às reservas de divisas do BC. Basta lembrar que, em meados de 1998, essas reservas se situavam em aparentemente confortáveis US$ 75 bilhões -valor que em poucos meses caiu para menos da metade, precipitando a forte desvalorização do real do início de 1999.
Sem dúvida hoje se vislumbra a perspectiva de uma recuperação das reservas do BC. Mas a situação ainda não é confortável a ponto de parecer recomendável criar imediatamente normas que disciplinem a entrada de capitais. Ainda assim, cabe iniciar a discussão sobre a conveniência de introduzir, mais adiante, controles voltados a administrar a entrada de capitais de curto prazo.
Sob o impacto da impressionante sequência de crises financeiras que vem sendo observada ao redor do mundo desde 1995, o preconceito contra o recurso a controles sobre a entrada de capitais vem diminuindo claramente. O tema já há algum tempo deixou de ser tabu nas publicações do FMI.
Há exemplos na própria América Latina que ilustram os potenciais benefícios de disciplinar os fluxos de capitais de natureza mais volátil. O exemplo maior talvez seja a economia chilena, que há anos adota controles seletivos sobre a entrada de capitais e, comparativamente a seus vizinhos, tem resistido muito melhor às intempéries financeiras globais.
Os grupos que ascenderam ao governo do Brasil em 2003, quando se encontravam na oposição, costumavam pedir a introdução de controles sobre os fluxos de capital. Agora que se encontram no poder e se esforçam para superar as desconfianças dos investidores, poderão se sentir constrangidos em tratar do tema. Mas, dentro de algum tempo, o assunto poderá impor-se na agenda. É preciso abordá-lo sem preconceitos.



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