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CLÓVIS ROSSI
O leão talvez não seja manso
SÃO PAULO - Como Fidel e Chávez têm a mania do exagero, da retórica ribombante (e do anti-americanismo galopante), ninguém parece ter levado muito a sério as advertências de ambos sobre o risco de o
mundo ser levado à fome pela expansão do biocombustível, na medida em que cultivos alimentícios
seriam substituídos por culturas
que gerem combustível alternativo.
Confesso que eu levei a sério, descontado o monumental exagero de
ambos. Levei a sério porque, antes,
José Sergio Gabrielli, o presidente
da Petrobras, técnico competente e
sereno, me dera uma aula grátis sobre biocombustíveis quando cruzamos em Davos, em janeiro.
Parte da aula era o reconhecimento de que pode, sim, haver
avanço de cultivos para combustíveis alternativos sobre a área plantada para alimentos.
Claro que Gabrielli nem chegava
perto de falar em fome de milhões
ou nem sequer de milhares.
Agora, além de Fidel e Chávez,
dois especialistas da Universidade
de Minnesota reproduzem os dois
governantes, ao preverem que a alta
demanda por etanol vai elevar os
preços dos alimentos e pode criar
600 milhões de "cronicamente famintos" até 2025.
A tese sai em breve na revista
"Foreign Affairs", que não é exatamente socialista ou apocalíptica.
Continuo achando um exagero,
mas o sereno e didático artigo de
Luiz Gonzaga Bertelli (Fiesp) na
Folha de ontem, que nega o risco de
a cana atropelar os alimentos, informa, não obstante, que a área
plantada com cana se multiplicou
por cinco em 50 anos e será dez vezes maior nos próximos 10 anos.
O risco é de o boom do etanol estimular não apenas o "espírito animal" do empreendedor, que é da lógica do capitalismo, mas o espírito
predatório, que é da lógica do capitalismo brasileiro.
Aí, pode haver, sim, alguma aproximação, mesmo que remota, com o
apocalipse previsto por Fidel, Chávez e pela "Foreign Affairs".
crossi@uol.com.br
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