São Paulo, segunda-feira, 06 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O candidato dos empresários

ODED GRAJEW

A recomendação de bancos de investimento estrangeiros aos seus clientes para diminuírem as aplicações em títulos do Brasil, alegando que o crescimento de Lula nas pesquisas gera insegurança ao mercado, traz de volta a seguinte questão: Qual é o melhor candidato para os empresários?
A cada eleição, os veículos de comunicação começam a especular sobre apoio e rejeição dos empresários a determinados candidatos. A participação empresarial no processo eleitoral é bastante importante, pelo poder desse setor na sociedade. Todos sabemos da relevância dos apoios financeiros na campanha eleitoral e da capacidade de formar opinião exercida pelos meios de comunicação, que, em sua quase totalidade, estão nas mãos da iniciativa privada.
Novamente, apesar de estarmos ainda distantes das eleições, começam as especulações sobre as preferências dos empresários. Nem sempre eles acertam nos seus apoios. Todos se lembram da declaração de Mario Amato, em 1989, de que centenas de milhares de empresários sairiam do Brasil caso Lula ganhasse a eleição. Um número bem maior teve que fechar as portas por causa da política econômica de Collor.
Lula não ganhou as eleições, mas um número enorme de brasileiros deixou sua pátria na década de 90, para trabalhar e empreender em outros países. O Brasil, que recebia imigrantes, hoje exporta profissionais, empreendedores e trabalhadores.
Esse não é um "privilégio" dos brasileiros. Henry Ford foi expulso da associação dos empresários de Detroit sob acusação de ser comunista e inimigo do capitalismo, porque pregava o aumento dos salários dos trabalhadores como meio de ampliar o mercado interno de consumo. O ex-ministro Cavallo era o ídolo de boa parte dos empresários argentinos até pouco tempo atrás.
Vários empreendedores também apoiaram candidatos que, quando eleitos, favoreceram os seus negócios.
Cada um de nós assume diversos papéis referentes a nossas atividades e relações. Por exemplo, o papel do cidadão, do profissional, o familiar e o social. Cada um estabelece inclusive uma escala de prioridades nesses papéis.
Vamos supor que o empresário coloque seu papel de cidadão em primeiro lugar. Ele se considera um cidadão que exerce a atividade empresarial. Qual deveria ser o candidato dele? Este cidadão vive num país que possui a quarta pior distribuição de renda e uma das piores concentrações de terra no mundo, é o 69º colocado no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, o 89º colocado em mortalidade infantil no relatório anual do Unicef; é um país de 50 milhões de analfabetos e 30 milhões de miseráveis, um país onde os serviços públicos estão tão deteriorados que nem ele, sua família e seus pares os usam.


Apesar de estarmos ainda distantes das eleições, começam as especulações sobre as preferências dos empresários


Certamente este cidadão apoiaria e votaria no candidato que, a seu ver, estaria mais comprometido com a distribuição de renda, a reforma agrária, as questões sociais, a defesa dos direitos humanos e o combate à corrupção.
Vamos supor, agora, que o empreendedor coloque em primeiro lugar sua atividade empresarial, subordinando seus outros papéis a esta atividade (aliás, essa é uma situação frequente, que coloca em risco a vida familiar, social, cultural e comunitária do empresário). Nessa situação, o empresário apoiaria o candidato que mais beneficiasse seu negócio.
Excluindo o caso das relações mais promíscuas de favorecimentos pessoais, o empresário sabe da importância do desenvolvimento econômico e do crescimento da renda das pessoas para seu negócio.
Este empresário sabe que a violência, a mão-de-obra desqualificada, os serviços públicos de baixa qualidade, os juros altos, a carga tributária que onera a produção e a corrupção são custos enormes que prejudicam a sua atividade. Certamente ele dará apoio ao candidato mais comprometido com o crescimento econômico, com a geração de empregos e a distribuição de renda, que colocam mais consumidores, e com renda maior, no mercado.
Isso sem falar dos empresários ou das empresárias preocupados com a segurança e a qualidade de vida de suas famílias e com o futuro de seus filhos. Eles sabem que a violência é fruto da fratura social, da corrupção e dos serviços públicos deteriorados. Gostariam que seus filhos continuassem no Brasil e vivessem num país próspero, ético e justo. Sentem na própria pele a angústia crescente de sua família e com certeza apoiariam um candidato que representasse uma nova esperança para o Brasil.
Muitos empresários se declaram apolíticos (como se isso fosse possível, pois o ser humano é essencialmente político) e apartidários). A consolidação da democracia, essencial para a construção de uma sociedade próspera, socialmente justa e ambientalmente sustentável, depende do fortalecimento dos partidos políticos e da participação política de todos os cidadãos. Os empresários deveriam colocar seu talento, seus conhecimentos e espírito empreendedor a serviço da democracia, participando da vida política e contribuindo com o partido político de sua preferência.
O empresário que privilegia sua condição de cidadão ou o cidadão que privilegia sua condição de empresário deveriam fazer uma profunda reflexão e apoiar aquele que melhor pudesse atender os interesses do país e de sua empresa, de sua empresa e do país, na ordem que acharem correta. Boa escolha!


Oded Grajew, 57, diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, é presidente do Conselho de Administração da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e membro do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil.



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