São Paulo, quinta-feira, 06 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A dialética do segundo turno

CESAR MAIA

No final de 99, tive a oportunidade de participar de um seminário, em Montevidéu, promovido pelo Instituto Nalmann, do Partido Liberal Democrata da Alemanha. Os temas principais eram as eleições em dois turnos e a dinâmica da pré-campanha e do primeiro turno como definidora do segundo turno.
Sem exagero, poderia dizer que esse seminário foi fundamental para minha vitória em 2000, no segundo turno, numa eleição que muitos achavam perdida. Uma vez ouvindo e lendo os especialistas, tudo parece óbvio. Aliás, o mais difícil na política é transformar em prática a teoria, na medida em que os políticos, quando disputam eleições majoritárias em grandes cidades, Estados e no país, vêm carregados de experiência e, consequentemente, de hábitos incorporados.
Vamos ao caso mais evidente: uma eleição na qual um dos candidatos está lá na frente e os demais disputam o segundo lugar. Os que disputam o segundo posto tendem, naturalmente, a se diferenciar e mostrar ao eleitor os defeitos dos demais. Se a segunda vaga é disputada ponto percentual a ponto percentual, a tendência natural é que se desqualifique o adversário usando mais e mais propaganda negativa. Se esta acerta o alvo, produz um constrangimento entre os candidatos e, principalmente, volta o eleitorado de um contra o outro.
Quaisquer dos dois que vá para o segundo turno terá derrota certa, pois o eleitorado do que chegou em terceiro estará polarizado contra ele, na medida em que o segundo turno se dá dias depois. Mas, se os que disputam não polarizam, têm a sensação de que vão perder a parada.
Em 2000, joguei tudo em não entrar em conflito com a atual governadora. Passei para o segundo turno suando, por menos de 15 mil votos em 4 milhões de eleitores, mas abri caminho para receber seu apoio e de seu eleitor no segundo turno, o que foi decisivo na virada. Foi um risco, pois também poderia ter ficado no primeiro turno.
Da mesma forma, quando um candidato se distancia, a tendência dele é tratar bem todos os adversários, para ficar com o apoio e a simpatia dos que não forem para o segundo turno e ganhar as eleições. Enquanto os "segundos" entram em conflito, ele trata de outro assunto. Quando há uma denúncia contra qualquer um deles, ele troca de tema e diz que confia sempre na Justiça.
Assim vai formando massa crítica favorável para o segundo turno. É exatamente isso que a campanha de Lula vem fazendo, com muita habilidade, e que passa para a opinião pública como moderação. E levam isso ao limite. Com a certeza de que o eleitor já o vê como oposição, nos comerciais e no programa de TV deixa de bater no governo. Nenhuma frase atingiu o governo FHC.
Garotinho saiu do governo e deixou imensos rabos. Mas, até agora, as críticas do governo do PT só o atingiram com levíssimos "hooks" no fígado. Ciro continua sendo esperado de braços abertos, como parceiro de mudanças, e os desafetos de Serra têm tapete vermelho. Assim, Lula se prepara para, no mínimo, dividir o eleitorado dos dois que sobrarem no segundo turno, garantindo a vitória.


Lula se prepara para, no mínimo, dividir o eleitorado dos dois que sobrarem no segundo turno, garantindo a vitória


A campanha tucana vinha, até três semanas atrás, ingenuamente fazendo o jogo de Lula. Imaginavam que deveriam deixar o candidato do PT pra lá e, depois, vencê-lo no segundo turno. Erro grave, pois a tal "campanha de alto nível" só fazia -e faz- consolidar a candidatura de quem está na frente e garantir-lhe a vitória no segundo turno pela suave ausência dos demais.
De uns dias para cá, a pré-campanha tucana mudou para melhor, do ponto de vista da viabilidade -e iniciou um processo de desqualificação do líder das pesquisas, de forma a fragilizá-lo para o segundo turno. Aliás, Garotinho já vinha fazendo isso, contrastando valores como aborto, união de homossexuais, apostando num populismo de direita e acentuando a inexperiência administrativa, diferenciando-se de Lula.
Para a campanha tucana, esta é uma questão de vida ou morte, por duas razões. Em primeiro lugar, porque o eleitor, em princípio, não quer continuidade -e não será com discursos que se marcará posição, pois ele não acredita nisso. Melhor é cair no colo do governo e capitalizar o que estiver por aí. Mas e se o eleitor, em princípio, não quer continuidade? Poderá querer, se chegar à conclusão de que as alternativas são extremamente graves. Seria o caso de pedir desculpas ao bispo e castigar fortemente a alternativa que se apresenta. Ou, como diz Morató, em seu imperdível "El Juego de los Politicos", usar o discurso da "catástrofe iminente".
Este é um lado que reforça, e muito, o outro para o segundo turno. Conforme se fragiliza o líder, abre-se campo para ganhar no segundo turno. O cenário para o segundo turno das eleições se completa com nenhuma agressão aos que disputam o segundo lugar -uma tática de alto risco, mas inevitável na conquista da simpatia daqueles eleitores para o segundo turno.
Isso só vale para os que acreditam em pesquisas pré-eleitorais. Que, aliás, são todos. Prova: as campanhas nem começaram e já mudaram -o líder nas pesquisas, de janeiro para cá, e o candidato do governo, de 15 de maio para cá.


Cesar Maia, 56, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro. Foi prefeito da mesma cidade de 1993 a 1996.



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