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TENDÊNCIAS/DEBATES
Medicina e humanismo
GIOVANNI GUIDO CERRI
A trajetória da medicina em
nosso país teve fatos marcantes ao
longo das últimas décadas. A incorporação de novas tecnologias pelos centros de excelência e conquistas relevantes em diagnósticos, procedimentos terapêuticos e pesquisas foram, com frequência, notícia. Em contrapartida continua evidente o difícil acesso das populações menos favorecidas à modernidade da medicina, quase como um reflexo
das diferenças sociais e da injusta distribuição de renda no Brasil.
Ao médico, como peça-chave nas
atenções de saúde, cabe não só clamar
por mudanças e melhorias do sistema
de saúde, mas também agir no seu dia-a-dia com o devido envolvimento técnico, científico e emocional em relação
aos seus pacientes. Nessas horas, o homem faz a diferença!
Nesta mesma data, há um ano, morria
o prof. Daher Cutait, que deixou grande
legado à medicina brasileira. Cirurgião
respeitado por seus pares e pacientes,
teve uma profícua vida acadêmica como professor da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo, deixando relevantes contribuições científicas,
que tiveram repercussão internacional.
Foi também, ao lado de Violeta Jafet, o
grande responsável pelo desenvolvimento de um dos mais importantes
centros médicos de excelência do país, o
Hospital Sírio Libanês, hoje um patrimônio de São Paulo.
O prof. Cutait se formou em 1939 e
completou seus estudos na Columbia
University e no Michigan University
Hospital, nos Estados Unidos, onde se
especializou em cirurgia colorretal. Ao
longo de sua vida, publicou três livros e
mais de 120 trabalhos científicos, realizou centenas de palestras em congressos e cursos nacionais e internacionais e
formou centenas de jovens cirurgiões
na sua especialidade. Ativo membro das
sociedades médicas, presidiu o Colégio
Brasileiro de Cirurgiões, a Federação
Latino-Americana de Cirurgia, a Associação Latino-Americana de Coloproctologia, a International Society of University Colon and Rectal Surgeons, entre outras.
O mais importante de Daher Cutait
foi, contudo, seu legado pessoal. Em toda sua vida, atendia ricos e pobres com
a mesma disponibilidade e afabilidade,
características marcantes de sua personalidade. Utilizou seus conhecimentos
e sua habilidade cirúrgica beneficiando
seus pacientes sem considerar suas condições sociais ou econômicas, tendo nos
deixado a mensagem de que todos os
pacientes devem ser tratados da mesma
forma. Com humanismo e respeito ao
doente, sempre demonstrava que o que
importa é o resultado. Pode-se viajar de
primeira classe ou de econômica, mas
todos devem chegar ao mesmo destino.
O que o prof. Cutait queria é que todos
os seus pacientes tivessem o melhor tratamento possível.
Nesta mesma data,
há um ano, morria o
prof. Daher Cutait, que deixou grande legado à medicina brasileira
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É fundamental que os jovens médicos,
que hoje proliferam advindos de faculdades de medicina nem sempre recomendáveis, resgatem valores morais,
éticos e humanísticos da medicina que
antigos professores tinham em suas almas e nos legaram. A relação médico-paciente continua sendo central na prática médica -em que o paciente, muitas vezes fragilizado pela doença, sente-se incompreendido pelo seu médico,
não o vendo como um real parceiro para a cura de seus males.
Nas últimas décadas, as escolas médicas têm mostrado entusiasmo com a
tecnologia, os conhecimentos acumulados pela ciência, as máquinas e os medicamentos, esquecendo-se de realçar para seus alunos a importância da formação humanística que deve diferenciar o
médico de um técnico.
Os exemplos do passado nos mostram claramente que medicina não é
apenas tecnologia e que a relação médico-paciente não poderá nunca ser globalizada, automatizada ou transformada em cifrões. Sua base continua sendo
a troca de emoções e de sentimentos,
com dedicação, algo que o prof. Daher
Cutait sabia muito bem, há mais de 60
anos, quando se formou na nossa Faculdade de Medicina da USP.
Giovanni Guido Cerri, 48, professor titular e
chefe do Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da USP, é diretor clínico do
Hospital das Clínicas e membro do Conselho Médico do Hospital Sírio Libanês.
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