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CARLOS HEITOR CONY
Boa pergunta
PARIS - Recebi com atraso o jornal
que veio do Brasil, sentei numa daquelas cadeiras de vime do Café de la
Paix e comecei a ler as notícias pátrias. Abri escandalosamente a folha,
deixando a manchete da primeira
página bem à mostra. Não demorou
muito, um cidadão parou na calçada
e tentou ler.
Percebendo isso, facilitei-lhe a tarefa. Expus totalmente a primeira página bem à sua frente. Ele tinha dificuldade de ler ou de entender, mas sem
dúvida estava curioso. Ao virar uma
folha interna, dei uma olhada na
manchete que chamara a atenção de
um francês desocupado que por ali
passava.
A manchete dizia que, afinal, um
suposto corrupto ia para a cadeia.
Era o assunto principal daquela edição o caso do ex-senador Luiz Estevão.
O homem continuou tentando decifrar o resto da matéria. Que interesse poderia ter ele com nossas desditas? Ao tomar mais um gole do café,
aproveitei e recolhi o jornal por um
instante. O homem ficou vermelho,
envergonhado de ter sido apanhado
em flagrante, filando a minha leitura.
Para deixá-lo à vontade, ofereci-lhe
o jornal, mas antes perguntei se ele
compreendia o português. Sim, compreendia, vivera mais de 15 anos em
Portugal, já viera ao Brasil mais de
cinco vezes, tinha parentes em Santa
Catarina.
Antes de ir embora, perguntou-me
quantos habitantes tem o Brasil. Respondi que, aproximadamente, estávamos com 160 milhões de patrícios.
"Muita gente", comentou ele.
E, achando-me acolhedor, perguntou polidamente se eu não me incomodaria em responder a uma curiosidade pessoal dele. Garanti que não,
teria prazer de esclarecê-lo, caso soubesse a resposta.
A pergunta que ele me fez, aliás,
não teve resposta mesmo: "Por que,
com tantos milhões de brasileiros,
apenas um ia para a cadeia?".
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