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ELIANE CANTANHÊDE
A camisinha ou a vida!
BRASÍLIA - A discussão da Igreja Católica sobre o uso ou não da camisinha contra a Aids parece ridícula
num primeiro momento e medieval
em seguida, mas é puramente dogmática no final das contas.
Ridícula porque ninguém pode, em
sã consciência e em pleno ano 2000,
condenar o uso de algo tão simples
para tentar salvar milhões e milhões
de vidas mundo afora.
Medieval porque é difícil para católicos e não-católicos entender como
dogmas podem se sobrepor à preservação da vida.
E, enfim, trata-se de uma questão
puramente dogmática, porque a igreja proibir ou liberar o uso da camisinha não deverá ter o menor efeito
prático, especialmente no Brasil.
Os tão fervorosos a ponto de seguir
a orientação do Vaticano e da CNBB
não estão exatamente no grupo de
risco, talvez nem precisem de camisinha. Os não tão religiosos vão usar
ou não a camisinha por "n" outros
motivos, pregue a igreja o que quiser.
A importância da condenação ou
absolvição da camisinha pelo Vaticano, portanto, não é para o usuário. É
para o bispo e o padre que estão em
contato direto com os aidéticos, com
a miséria, com o Brasil real e que por
uma questão de consciência passam
a assumir uma atitude ativa.
Pelo dogma, não deveriam nem sequer defender e nem mesmo admitir
a camisinha. Por piedade, estão inclusive ajudando a distribuí-la entre
as vítimas mais prováveis. E reivindicam, ou desejam, o aval da igreja.
Que o Vaticano e a CNBB queiram
condená-los, é uma questão lá deles.
Mas que não há um só cristão que
também possa fazê-lo, essa é uma
questão de todo mundo. Não é à toa
que, nas três semanas que passei de
férias em Madri, o Brasil só tenha ido
parar nas primeiras páginas por causa do debate da camisinha.
Em países como a Itália e a Espanha, é mais fácil assimilar os dogmas
e pronto. Em outros, como o Brasil, o
buraco é muito mais embaixo. Entre
os dogmas e uma realidade cruel,
louve-se quem tenha a coragem de
optar pela realidade.
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