São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2000


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ELIANE CANTANHÊDE

A camisinha ou a vida!

BRASÍLIA - A discussão da Igreja Católica sobre o uso ou não da camisinha contra a Aids parece ridícula num primeiro momento e medieval em seguida, mas é puramente dogmática no final das contas.
Ridícula porque ninguém pode, em sã consciência e em pleno ano 2000, condenar o uso de algo tão simples para tentar salvar milhões e milhões de vidas mundo afora.
Medieval porque é difícil para católicos e não-católicos entender como dogmas podem se sobrepor à preservação da vida.
E, enfim, trata-se de uma questão puramente dogmática, porque a igreja proibir ou liberar o uso da camisinha não deverá ter o menor efeito prático, especialmente no Brasil.
Os tão fervorosos a ponto de seguir a orientação do Vaticano e da CNBB não estão exatamente no grupo de risco, talvez nem precisem de camisinha. Os não tão religiosos vão usar ou não a camisinha por "n" outros motivos, pregue a igreja o que quiser.
A importância da condenação ou absolvição da camisinha pelo Vaticano, portanto, não é para o usuário. É para o bispo e o padre que estão em contato direto com os aidéticos, com a miséria, com o Brasil real e que por uma questão de consciência passam a assumir uma atitude ativa.
Pelo dogma, não deveriam nem sequer defender e nem mesmo admitir a camisinha. Por piedade, estão inclusive ajudando a distribuí-la entre as vítimas mais prováveis. E reivindicam, ou desejam, o aval da igreja.
Que o Vaticano e a CNBB queiram condená-los, é uma questão lá deles. Mas que não há um só cristão que também possa fazê-lo, essa é uma questão de todo mundo. Não é à toa que, nas três semanas que passei de férias em Madri, o Brasil só tenha ido parar nas primeiras páginas por causa do debate da camisinha.
Em países como a Itália e a Espanha, é mais fácil assimilar os dogmas e pronto. Em outros, como o Brasil, o buraco é muito mais embaixo. Entre os dogmas e uma realidade cruel, louve-se quem tenha a coragem de optar pela realidade.


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