São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2000


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Copenhague+5: propaganda e propostas


Se os anos 80 ficaram conhecidos como "década perdida", os anos 90 representam a década da exclusão social


MARIA LUISA MENDONÇA e
JAMES LOUIS CAVALLARO


Entre os dias 20 e 30 de junho, foram organizadas diversas reuniões e conferências em Genebra, com o objetivo de avaliar os compromissos firmados por representantes de 117 países em 1995, durante a conferência da ONU sobre desenvolvimento social, realizada em Copenhague. Esses compromissos incluem a implementação de políticas econômicas e sociais com os seguintes objetivos: erradicar a pobreza no mundo, garantir o pleno emprego, proteger os direitos humanos, promover a diversidade, a não-discriminação e a participação das mulheres na vida política. Além disso, os países signatários se comprometeram a estimular a cooperação regional e internacional e priorizar o desenvolvimento dos países pobres, principalmente no continente africano.
Cinco anos depois, constata-se claramente que existe uma enorme distância entre os compromissos contidos na Declaração de Copenhague e a realidade. Se os anos 80 ficaram conhecidos como a "década perdida", os anos 90 representam a década da exclusão social. Presenciamos o aumento da concentração de renda e do número de pessoas pobres no mundo. Diante desse quadro, muitas organizações não-governamentais que participam das conferências da ONU e do monitoramento dos compromissos assumidos por seus países-membros começam a questionar seu próprio papel. Até que ponto estão colaborando com uma espécie de propaganda dos governos, já que a ONU não possui mecanismos efetivos para garantir o cumprimento desses acordos?
Por essa razão, muitas organizações têm preferido organizar reuniões paralelas, relatórios "sombra" (documentos paralelos àqueles enviados pelos governos à ONU) ou mesmo manifestações populares. A conferência chamada Copenhague+5 foi precedida por um encontro de 600 representantes de entidades da sociedade civil de 80 países das Américas, África, Europa, Ásia e Oceania, para tratar de temas como a dívida externa, a regulação do mercado financeiro internacional, o controle militar das grandes potências sobre países do Terceiro Mundo, a "feminização" da pobreza, entre outros. Esse encontro culminou com uma manifestação de 10 mil pessoas, exigindo o cumprimento dos compromissos da conferência de Copenhague.
A delegação brasileira de organizações não-governamentais assumiu um papel importante durante esse evento, instituindo o Comitê Internacional do Fórum Social Mundial, que será realizado em Porto Alegre em janeiro de 2001. O objetivo do Fórum Social Mundial é servir de contraponto ao Fórum Econômico Mundial, que ocorre em Davos, Suíça, e serve de referência para o desenvolvimento de políticas neoliberais. Em poucos dias, o Fórum Social Mundial recebeu apoio de mais de 70 entidades internacionais.
A preocupação dessas organizações é mostrar que a erradicação da pobreza e da desigualdade depende principalmente da vontade política dos governantes. Cabe à sociedade civil, por sua vez, assumir a responsabilidade de denunciar o não-cumprimento dos compromissos internacionais assumidos por seus governos e exigir mecanismos mais eficazes que garantam o monitoramento e a implementação de políticas sociais. Dada a falta de empenho dos governos para erradicar a desigualdade social, as entidades da sociedade civil passam a propor medidas concretas como o cancelamento da dívida externa pública dos países pobres, a implementação do chamado "imposto Tobin" sobre o capital especulativo, a redução dos poderes da Organização Mundial de Comércio (OMC) e a criação de mecanismos compensatórios para países que sofrem prejuízos em consequência das políticas e projetos do FMI e do Banco Mundial.
Esse é um exemplo de organização da sociedade civil em nível internacional que tem se intensificado nos últimos anos em consequência da globalização da economia e da crescente desigualdade social. Esse movimento tem se diversificado a partir dos protestos contra a OMC em Seattle, em novembro de 1999, e contra o Banco Mundial e o FMI, em Washington, em abril deste ano. Para os próximos meses, estão previstas atividades durante o encontro do G-8, em Okinawa (julho), durante a reunião do FMI e do Banco Mundial, em Praga (setembro), durante o encontro sobre diálogo Norte-Sul, em Dacar (dezembro), culminando com o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (janeiro).
O objetivo desse último evento é gerar visibilidade para propostas concretas que visam reduzir efetivamente a desigualdade e a pobreza no mundo. O apoio a essa iniciativa coincide com a constatação de que os acordos internacionais, por si só, não têm sido suficientes para garantir os compromissos governamentais na área social. O principal resultado da conferência Copenhague+5 talvez seja o estímulo à organização da sociedade civil internacional, diante do descaso de seus governos em relação às violações dos direitos básicos da pessoa humana.


Maria Luisa Mendonça, 38, é jornalista e diretora do Centro de Justiça Global. James Louis Cavallaro, 37, é advogado e diretor do Centro de Justiça Global. Foi diretor da Human Rights Watch no Brasil (1994-1999).



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