São Paulo, quinta-feira, 06 de julho de 2000


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A hidrovia Paraguai-Paraná e o Pantanal


Ninguém vai construir uma hidrovia. Ela sempre existiu e foi o elo de ligação do Mato Grosso com o Brasil e o mundo


ALFREDO DA MOTA MENEZES

A maior parte das colocações sobre a hidrovia Paraguai-Paraná tem sido por um viés equivocado. Argui-se quase sempre que seriam feitas grandes obras de engenharia no trecho do Pantanal. Não é verdade. Não se farão nenhuma retificação e corte de meandros, derrocamentos ou aprofundamento de leito de rios. Muitas pessoas quando falam da hidrovia se referem a um estudo antigo, completamente descartado, que chegou a propor, entre três alternativas, alterações daquele tipo. Uma coisa insana, na verdade. O tempo passou, novos estudos surgiram e ainda continuam a falar naquilo que ninguém concorda.
Ninguém vai construir uma hidrovia. Ela sempre existiu. Foi o elo de ligação do Mato Grosso com o Brasil e o mundo até a chegada da ferrovia Noroeste do Brasil. A intenção brasileira era afastar essa região da influência argentina na época. A hidrovia, mostra a história, foi também um dos motivos da Guerra do Paraguai, pois o governo desse país, com suas razões, não permitia que o governo brasileiro atingisse livremente sua Província do Mato Grosso.
Foi decidido, em maio de 1999, em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, depois de 26 encontros do Comitê Intergovernamental da Hidrovia, como deve ser tecnicamente a navegação em toda extensão da mesma, com especial ênfase na parte do Pantanal. No trecho Cáceres-Corumbá as observações são minuciosas. Tipo e tamanho das embarcações, o que transportar, tonelagem permitida e muitos outros itens são definidos. Recomenda-se a leitura desse documento que foi assinado por todas as delegações dos países envolvidos com a hidrovia. Estudo posterior, coordenado pelos ministérios dos Transportes e da Marinha, aprofundou mais ainda os detalhes de como deve ser a navegação na área do Pantanal. Hoje ela é feita com auxílio de satélite, com enorme precisão na navegabilidade
É preciso enfatizar outra vez que não está prevista nenhuma obra que altere o trajeto do rio Paraguai, base maior da hidrovia no Pantanal. Somente dragagens em alguns pontos críticos, em certas épocas do ano. Essas dragagens são autorizadas e monitoradas pelo Ministério do Meio Ambiente. Os detritos retirados são jogados de volta no mesmo rio. As dragagens vêm sendo realizadas há muitos anos nesse trecho da hidrovia.
Documentos e estudos mostram que elas eram feitas décadas atrás e quase sempre nos mesmos pontos. E não se pode dizer que no século passado ou no início deste existia uma agricultura desenfreada que assoreava o leito dos rios. A dragagem em pontos críticos na época da vazante é a única obra que se faz e fará no rio Paraguai, portanto. O porto de Morrinhos, a ser construído na região, é outra decisão do encontro de Santa Cruz de la Sierra. Até hoje o porto é na cidade de Cáceres, que fica por água a uns 140 quilômetros de Morrinhos. Esse trecho é o mais sinuoso e com mais problema para a navegação. Um porto mais abaixo, onde o rio Paraguai é mais amplo e já recebeu águas de outros rios da região, é o mais recomendável. Não será construída nenhuma estrada nova que ligaria ao novo porto. Ela é antiga, já existe e será apenas melhorada. Tudo, claro, depois de estudos e relatórios de impacto ambiental.
É preciso mudar um pouco a concentração da integração regional do eixo Buenos Aires-São Paulo. A hidrovia ajuda a interiorizar o Mercosul. Ela beneficia uma enorme parte do território sul-americano, incluindo os dois Mato Grosso. No passado, já nos puxaram para o litoral paulista por meio de uma ferrovia. Existe outra no momento. Através da hidrovia, essa região está ligada por transporte de baixo custo ao Atlântico e também com uma enorme parte da América do Sul com uma população ribeirinha de aproximadamente 17 milhões de habitantes, incluindo Buenos Aires.
O respeito ao meio ambiente deve prevalecer sempre. Não se pode pensar em destruir um ecossistema fantástico com o do Pantanal. Seria uma loucura, até mesmo em termos econômicos. O bom senso recomenda a busca do equilíbrio entre desenvolvimento e defesa do meio ambiente. E o debate é fundamental nessa empreitada.


Alfredo da Mota Menezes, 55, é doutor em história da América Latina pela Universidade de Tulane, EUA. É autor, entre outros, de "Do sonho à realidade: a integração econômica latino-americana" (ed. Alfa Ômega).



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