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CARLOS HEITOR CONY
O destino dos livros
RIO DE JANEIRO - Reclamei outro dia da quantidade de livros que venho recebendo. Na semana passada,
algum desafeto mandou-me um pacote enorme, com livros sobre a orografia do nosso pantanal -assunto
que nunca me interessou e dificilmente me interessará.
Pretendo adotar uma das manias
do pai, que, de tempos em tempos,
doava os livros que recebia para uma
colônia de leprosos em Jacarepaguá.
Por que leprosos e por que em Jacarepaguá? Nunca lhe perguntei sobre isso. Mas ajudava-o a fazer os embrulhos. Cada livro selecionado ao leprosário recebia dele um comentário
piedoso ou demolidor.
Lembro a vez em que ele separou
quatro volumes, quatro romances
por sinal, assinados por um tal Faustino Pecorelli, que aparecia em foto
na contracapa dos livros. Era moço,
usava bigodinho aparado, os cabelos
ensopados de brilhantina.
Era amigo do pai e também jornalista -se não me engano, do ""Diário
da Noite". Escrevia um ou dois livros
por ano e os mandava com dedicatória ao ""colega e amigo", que nem tomava conhecimento de tanta e tamanha produção literária.
Ao colocar os volumes no pacote
destinado ao leprosário, lembrei ao
pai que os livros tinham dedicatória.
Iriam assim mesmo? Não seria uma
desfeita ao autor, colega e amigo? O
pai pensou um pouco e declarou: ""O
Faustino é um analfabeto!".
Toda vez que sou obrigado a colocar dedicatória num livro, fico pensando nesse Faustino Pecorelli, que,
apesar de analfabeto, escrevia romances, escrevia em jornais e era colega e amigo do pai.
Daria alguns anos de vida para ler
um de seus livros. O leprosário parece
que não existe mais, de maneira que
não tenho como consultá-los. Tampouco tenho a quem doar os livros sobre a orografia do nosso pantanal.
Há as penitenciárias, que obviamente precisam de livros. Volta e
meia recebo carta de um detento que
leu um dos meus livros. Doado certamente por colegas e amigos.
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