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CARLOS HEITOR CONY
Sorrir de nossa dor
RIO DE JANEIRO - Recebo e-mail endereçado a Clóvis Rossi e a mim. É um texto pedestre, em quadras não
metrificadas, que revelam um desencanto geral com o Brasil. Diz ele que,
aos olhos do mundo, somos uma Índia sem Gandhi, uma África do Sul
sem Mandela.
Em outro trecho, usa uma imagem
que me pareceu feliz: ""Talento meio
desperdiçado, como uma Ferrari (F-1) dirigida numa pista de rally".
Será mesmo isso? Tudo é possível,
dizia Machado de Assis, que também
sofria do mesmo desencanto, só que o
texto dele era bem melhor.
Parece que somos uma Ferrari até
hoje desperdiçada por falta de bons
pilotos e de adequação com a pista.
Os melhores que tivemos, como já
disse anteriormente, foram incompletos: Getúlio pensava muito, mas
fazia pouco; JK não pensava, mas fazia. O presidente atual não pensa
nem faz, simplesmente vai levando.
Temos muita gente de talento
-diz o leitor-, mas faltam-nos estadistas. Deserto de homens e de
idéias, como nos chamou Oswaldo
Aranha em tempos idos, o Brasil não
chega a ser uma ""choldra", como o
Portugal que Eça de Queiroz condenou, mas amou acima de tudo. Mas
que diabo, por que não demos certo
até agora?
Temos metabolismo próprio para
absorver o que vem de bom ou de
ruim. O editor Ênio Silveira engraxava os sapatos com um guri de rua,
que nada comera naquele dia. Politizado, Ênio perguntou ao guri se ele
não tinha medo do comunismo. O
garoto abriu os dentes num sorriso
leal, deu uma caprichada no brilho
da biqueira com sua flanela suja de
graxa e respondeu:
""Deixa o comunismo vir que nós
avacalhamos com ele!".
Índia sem Gandhi, Ferrari sem piloto, pelo menos temos a invejável capacidade de sorrir de nossa dor -como disse o sambista.
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