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JOSÉ SARNEY
O fico e o grito
A Independência foi obra de
hábil construção política, não
apenas um grito imaginário às margens do Ipiranga.
Era uma causa de grande apelo no
espírito dos brasileiros. A liderança
exaltada e radical estava com o grupo
do Rio de Janeiro, liderado por Gonçalves Ledo, exaltado político e grande
orador, e composto pelo cônego Januário, José Clemente Pereira, frade
Sampaio e muitos outros. O príncipe
dom Pedro sabia de tudo -de que se
precisava e o que se planejava, mas vacilava. Seu dilema estava em querer ir
e querer ficar. Sua dúvida, no dizer de
José Bonifácio, era ser "imperador de
um império novo (o Brasil) ou de um
reino decadente (Portugal)", do qual
era herdeiro.
Os revolucionários a qualquer custo
queriam tornar o país independente,
com ou sem dom Pedro. Como a ordem de seu regresso a Portugal era
"viajar incógnito", nasceu uma solução de consenso. Encarregou-se dela
José Clemente Pereira, presidente do
Senado e Câmara do Rio, que na Capela Real apela a dom Pedro para ficar. Da primeira vez, ele silencia. Na
segunda tentativa, diz que fica. Com
sinal verde, as articulações e efervescências multiplicam-se em São Paulo,
Minas e Rio. Apelos, deputações e manifestos são dirigidos ao príncipe, que,
em 9 de janeiro de 1822, decide: "Como é para o bem de todos e felicidade
geral da nação, diga ao povo que fico".
Depois veio o grito.
Por mãos invisíveis da história, em
setembro desse mesmo ano, em busca
de apoios, o príncipe vai a São Paulo.
No Ipiranga, recebe as cartas da metrópole. Irrita-se e decide pela separação do Brasil de Portugal. Na noite
desse mesmo dia, entra na capital,
com a frase famosa: "Independência
ou Morte". E, às oito da noite, no teatro Ópera, o padre Ildefonso Xavier,
"proclamou dom Pedro, com três vivas, o primeiro imperador do Brasil".
A platéia delirou. Era um sábado como amanhã e estava concluída a Independência do Brasil. O grupo paulista
cerca dom Pedro, tendo à frente a figura extraordinária de José Bonifácio.
Os Andradas, no dizer de Carneiro de
Campos, "eram arbitrários no poder e
facciosos na oposição".
Nasce a luta entre José Bonifácio e o
grupo do Rio, este liderado por Gonçalves Ledo. A coisa azedou-se. "Dom
Pedro e José Bonifácio foram oportunistas. A revolução seria vitoriosa e,
por isso, à última hora, aderiram a ela.
E tiraram melhor proveito do que
Gonçalves Ledo, que a preparou admiravelmente, que era seu chefe, que
por ela arriscou a vida", segundo a
análise de Assis Cintra.
Essa rusga marcou os primeiros
anos da Independência. Para a história, ficou José Bonifácio como o patriarca. De Gonçalves Ledo ficou o esquecimento. Quixeramobim chegou a
afirmar ter ouvido de dom Pedro 1º
sobre Ledo, quando ele o defendia na
Assembléia: "É a terceira vez que o
compro e de todas tem me servido
bem".
Essa briga nunca terminou. Chega
até os historiadores, que se dividem.
Quem fez a Independência? José Bonifácio ou Gonçalves Ledo? É hora de invocar Joaquim Nabuco: "Sem exaltados não se fazem às revoluções, mas
com eles é impossível governar". Batista Pereira, genro de Rui Barbosa, ao
tratar dessa rivalidade, responde:
"Nem Ledo nem José Bonifácio, foi
dom Pedro!".
E foi a grande figura. Usou a todos e
iniciou esse "jeitinho brasileiro" da
composição. Levou no fico e no grito.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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