São Paulo, sexta-feira, 06 de setembro de 2002

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JOSÉ SARNEY

O fico e o grito

A Independência foi obra de hábil construção política, não apenas um grito imaginário às margens do Ipiranga.
Era uma causa de grande apelo no espírito dos brasileiros. A liderança exaltada e radical estava com o grupo do Rio de Janeiro, liderado por Gonçalves Ledo, exaltado político e grande orador, e composto pelo cônego Januário, José Clemente Pereira, frade Sampaio e muitos outros. O príncipe dom Pedro sabia de tudo -de que se precisava e o que se planejava, mas vacilava. Seu dilema estava em querer ir e querer ficar. Sua dúvida, no dizer de José Bonifácio, era ser "imperador de um império novo (o Brasil) ou de um reino decadente (Portugal)", do qual era herdeiro.
Os revolucionários a qualquer custo queriam tornar o país independente, com ou sem dom Pedro. Como a ordem de seu regresso a Portugal era "viajar incógnito", nasceu uma solução de consenso. Encarregou-se dela José Clemente Pereira, presidente do Senado e Câmara do Rio, que na Capela Real apela a dom Pedro para ficar. Da primeira vez, ele silencia. Na segunda tentativa, diz que fica. Com sinal verde, as articulações e efervescências multiplicam-se em São Paulo, Minas e Rio. Apelos, deputações e manifestos são dirigidos ao príncipe, que, em 9 de janeiro de 1822, decide: "Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico". Depois veio o grito.
Por mãos invisíveis da história, em setembro desse mesmo ano, em busca de apoios, o príncipe vai a São Paulo. No Ipiranga, recebe as cartas da metrópole. Irrita-se e decide pela separação do Brasil de Portugal. Na noite desse mesmo dia, entra na capital, com a frase famosa: "Independência ou Morte". E, às oito da noite, no teatro Ópera, o padre Ildefonso Xavier, "proclamou dom Pedro, com três vivas, o primeiro imperador do Brasil". A platéia delirou. Era um sábado como amanhã e estava concluída a Independência do Brasil. O grupo paulista cerca dom Pedro, tendo à frente a figura extraordinária de José Bonifácio. Os Andradas, no dizer de Carneiro de Campos, "eram arbitrários no poder e facciosos na oposição".
Nasce a luta entre José Bonifácio e o grupo do Rio, este liderado por Gonçalves Ledo. A coisa azedou-se. "Dom Pedro e José Bonifácio foram oportunistas. A revolução seria vitoriosa e, por isso, à última hora, aderiram a ela. E tiraram melhor proveito do que Gonçalves Ledo, que a preparou admiravelmente, que era seu chefe, que por ela arriscou a vida", segundo a análise de Assis Cintra.
Essa rusga marcou os primeiros anos da Independência. Para a história, ficou José Bonifácio como o patriarca. De Gonçalves Ledo ficou o esquecimento. Quixeramobim chegou a afirmar ter ouvido de dom Pedro 1º sobre Ledo, quando ele o defendia na Assembléia: "É a terceira vez que o compro e de todas tem me servido bem".
Essa briga nunca terminou. Chega até os historiadores, que se dividem. Quem fez a Independência? José Bonifácio ou Gonçalves Ledo? É hora de invocar Joaquim Nabuco: "Sem exaltados não se fazem às revoluções, mas com eles é impossível governar". Batista Pereira, genro de Rui Barbosa, ao tratar dessa rivalidade, responde: "Nem Ledo nem José Bonifácio, foi dom Pedro!".
E foi a grande figura. Usou a todos e iniciou esse "jeitinho brasileiro" da composição. Levou no fico e no grito.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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