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TENDÊNCIAS/DEBATES
Shaná Tová, 5763
JACK TERPINS
O futuro do mundo está em jogo
porque o futuro das crianças está
em questão. Peguemos, por exemplo, o
futuro das crianças daquele pedaço do
Oriente Médio onde a paz parece nunca
chegar para israelenses e palestinos. As
que eram bebês na época da primeira
Intifada, em 1987, já são adolescentes
que não conseguem mais fingir que está
tudo normal.
Eis a pergunta que se faz nestes dias,
quando os 16 milhões de judeus de todo
o mundo -entre os quais o pouco menos do que 0,1% da população brasileira- celebram Rosh Hashaná, o ano novo judaico de 5763: Qual a perspectiva
dessas crianças?
Por enquanto, a idéia é negociar menos a possibilidade de iniciar conversações de paz e mais a hipótese de suspender o fogo cruzado que faz das crianças
as vítimas eleitas de sempre. Lá morrem
as crianças nascidas e as por nascer. É
um círculo vicioso do qual ninguém
consegue escapar. Ele se alimenta e realimenta de polêmicas infindáveis, que
disseminam o ódio; ódio que estimula o
terrorismo; terrorismo que aumenta a
desconfiança.
O que será dessas crianças? As de Israel vivem o cotidiano do medo, o terror
da surpresa e a angústia de se verem órfãs de um momento para outro. Às
crianças de Israel não falta o que comer,
mas mal conseguem deglutir e saborear
o que engolem. Muitas crianças palestinas dos territórios administrados pela
Autoridade Palestina têm pouco para
comer. Aquilo virou um enclave de autodecepções, que israelenses e palestinos não suportam mais.
De uns tempos para cá, no entanto,
realizam-se reuniões secretas entre lideranças israelenses e proeminentes figuras palestinas em busca de uma solução
negociada para esse conflito de mais de
50 anos. Ao se encontrarem, pensam no
futuro. Nas crianças israelenses e palestinas. A mais recente de que se tem conhecimento já aprontou um projeto.
Israelenses e palestinos reuniram-se
em abril, maio e junho, quando Israel
ocupou as principais cidades da Cisjordânia na sua ofensiva contra o terror.
Era uma tentativa desesperada de restabelecer o bom senso em ambas as partes, sob a égide das conversações patrocinadas pelo então presidente Bill Clinton, e impedir a matança indiscriminada, principalmente de civis, que barateia a vida das pessoas, entre elas as
crianças. A ex-primeira-ministra Golda
Meir, aliás, já dizia que a paz estará bem
mais próxima quando os árabes amarem mais seus filhos do que odeiam os
judeus.
As crianças israelenses e palestinas, mais do que ninguém, sabem
que o amanhã não
deve ser adiado
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O importante dessas reuniões é o fato
de elas tratarem corajosamente com
mitos e símbolos -nos quais se encastelam resistências, arrogâncias, fundamentalismos e terror- bastante caros a
palestinos e israelenses, como a questão
de Jerusalém, dos assentamentos, dos
refugiados, da segurança interna etc.
É preciso recriar a fé na possibilidade
da reconciliação. É preciso ter esperança na esperança, especialmente neste
período entre Rosh Hashaná e Iom Kipur que os judeus consideram os Dias
Temíveis, quando se faz um balanço
dos feitos e dos mal feitos, dos atos e dos
fatos, dos erros e acertos, das virtudes e
dos defeitos. Tanto que algumas medidas concretas vão sendo tomadas.
Ao se dirigir à Cúpula Mundial para o
Desenvolvimento Sustentado, encerrada anteontem, em Johannesburgo, o
chanceler Shimon Peres afirmou que "a
região carece de um diálogo renovado.
E o diálogo real deve não apenas enfocar
os objetivos, cada vez mais claros, mas
também quais os caminhos para alcançá-los. Nós já concordamos, mais ou
menos, sobre um mapa da paz. Temos
que limpar o roteiro de perigos desnecessários. O terror não contribuirá em
nada. As fronteiras acordadas deverão
encerrar o conflito. É preciso agir e, portanto, para agir, não precisamos esperar
que acordos de paz sejam assinados. O
desenvolvimento regional não suporta
demoras".
Ele anunciou o projeto de plantar um
bilhão de árvores até 2010, assim como
Israel plantou 200 milhões nos últimos
anos. E a construção de um duto de 300
km para levar água do mar Vermelho ao
mar Morto, ao custo de US$ 1 bilhão, e
impedir seu desaparecimento nas próximas décadas -o rio Jordão despeja
cada vez menos água no mar Morto,
que perde anualmente 90 cm de suas
margens.
Quando o chanceler Shimon Peres fala em não suportar demoras, refere-se
às crianças, israelenses e palestinas.
Elas, mais do que ninguém, sabem que
o amanhã não deve ser adiado para que
todos os anos, mais ou menos nessa
época, as crianças palestinas possam
desejar Shaná Tová às israelenses.
Jack Terpins, 53, engenheiro, é presidente da
Conib (Confederação Israelita do Brasil) e do
Congresso Judaico Latino-Americano.
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