São Paulo, sexta-feira, 06 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Shaná Tová, 5763

JACK TERPINS

O futuro do mundo está em jogo porque o futuro das crianças está em questão. Peguemos, por exemplo, o futuro das crianças daquele pedaço do Oriente Médio onde a paz parece nunca chegar para israelenses e palestinos. As que eram bebês na época da primeira Intifada, em 1987, já são adolescentes que não conseguem mais fingir que está tudo normal.
Eis a pergunta que se faz nestes dias, quando os 16 milhões de judeus de todo o mundo -entre os quais o pouco menos do que 0,1% da população brasileira- celebram Rosh Hashaná, o ano novo judaico de 5763: Qual a perspectiva dessas crianças?
Por enquanto, a idéia é negociar menos a possibilidade de iniciar conversações de paz e mais a hipótese de suspender o fogo cruzado que faz das crianças as vítimas eleitas de sempre. Lá morrem as crianças nascidas e as por nascer. É um círculo vicioso do qual ninguém consegue escapar. Ele se alimenta e realimenta de polêmicas infindáveis, que disseminam o ódio; ódio que estimula o terrorismo; terrorismo que aumenta a desconfiança.
O que será dessas crianças? As de Israel vivem o cotidiano do medo, o terror da surpresa e a angústia de se verem órfãs de um momento para outro. Às crianças de Israel não falta o que comer, mas mal conseguem deglutir e saborear o que engolem. Muitas crianças palestinas dos territórios administrados pela Autoridade Palestina têm pouco para comer. Aquilo virou um enclave de autodecepções, que israelenses e palestinos não suportam mais.
De uns tempos para cá, no entanto, realizam-se reuniões secretas entre lideranças israelenses e proeminentes figuras palestinas em busca de uma solução negociada para esse conflito de mais de 50 anos. Ao se encontrarem, pensam no futuro. Nas crianças israelenses e palestinas. A mais recente de que se tem conhecimento já aprontou um projeto.
Israelenses e palestinos reuniram-se em abril, maio e junho, quando Israel ocupou as principais cidades da Cisjordânia na sua ofensiva contra o terror. Era uma tentativa desesperada de restabelecer o bom senso em ambas as partes, sob a égide das conversações patrocinadas pelo então presidente Bill Clinton, e impedir a matança indiscriminada, principalmente de civis, que barateia a vida das pessoas, entre elas as crianças. A ex-primeira-ministra Golda Meir, aliás, já dizia que a paz estará bem mais próxima quando os árabes amarem mais seus filhos do que odeiam os judeus.


As crianças israelenses e palestinas, mais do que ninguém, sabem que o amanhã não deve ser adiado


O importante dessas reuniões é o fato de elas tratarem corajosamente com mitos e símbolos -nos quais se encastelam resistências, arrogâncias, fundamentalismos e terror- bastante caros a palestinos e israelenses, como a questão de Jerusalém, dos assentamentos, dos refugiados, da segurança interna etc.
É preciso recriar a fé na possibilidade da reconciliação. É preciso ter esperança na esperança, especialmente neste período entre Rosh Hashaná e Iom Kipur que os judeus consideram os Dias Temíveis, quando se faz um balanço dos feitos e dos mal feitos, dos atos e dos fatos, dos erros e acertos, das virtudes e dos defeitos. Tanto que algumas medidas concretas vão sendo tomadas.
Ao se dirigir à Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentado, encerrada anteontem, em Johannesburgo, o chanceler Shimon Peres afirmou que "a região carece de um diálogo renovado. E o diálogo real deve não apenas enfocar os objetivos, cada vez mais claros, mas também quais os caminhos para alcançá-los. Nós já concordamos, mais ou menos, sobre um mapa da paz. Temos que limpar o roteiro de perigos desnecessários. O terror não contribuirá em nada. As fronteiras acordadas deverão encerrar o conflito. É preciso agir e, portanto, para agir, não precisamos esperar que acordos de paz sejam assinados. O desenvolvimento regional não suporta demoras".
Ele anunciou o projeto de plantar um bilhão de árvores até 2010, assim como Israel plantou 200 milhões nos últimos anos. E a construção de um duto de 300 km para levar água do mar Vermelho ao mar Morto, ao custo de US$ 1 bilhão, e impedir seu desaparecimento nas próximas décadas -o rio Jordão despeja cada vez menos água no mar Morto, que perde anualmente 90 cm de suas margens.
Quando o chanceler Shimon Peres fala em não suportar demoras, refere-se às crianças, israelenses e palestinas. Elas, mais do que ninguém, sabem que o amanhã não deve ser adiado para que todos os anos, mais ou menos nessa época, as crianças palestinas possam desejar Shaná Tová às israelenses.


Jack Terpins, 53, engenheiro, é presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil) e do Congresso Judaico Latino-Americano.



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