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TENDÊNCIAS/DEBATES
O provão deve ser extinto?
NÃO
Retrocesso
EUNICE RIBEIRO DURHAM
A extinção do provão representa
um enorme retrocesso no estabelecimento de um sistema objetivo e confiável de avaliação do ensino superior
no Brasil, que é indispensável para promover a qualidade do ensino
Não se pode, obviamente, basear todo
o processo de avaliação num único instrumento, como o provão. Nem no governo anterior isso ocorria: junto do
provão foram criadas comissões que visitavam os cursos com problemas e faziam uma avaliação mais detalhada das
condições e do conteúdo do ensino. Indispensáveis, os relatórios dessas comissões, entretanto, são necessariamente mais subjetivos e os critérios variáveis, além de serem muitos extensos,
com um mínimo de 50 páginas.
Por outro lado, o tamanho do sistema
educacional brasileiro impede a universalização de avaliações feitas por comissões desse tipo: são, de fato, 18 mil cursos, o que implicaria um exército de
avaliadores competentes (que não temos), astronômicas despesas de viagens e milhares de páginas a serem consultadas. Quando essas visitas têm como subsídios os resultados do provão,
elas podem se concentrar nos cursos
com problemas e há um controle objetivo da subjetividade.
Os opositores do provão apresentam
dois argumentos principais. O primeiro
é que a avaliação feita pelo exame incide
sobre os resultados da aprendizagem,
não sobre os processos. A argumentação é difícil de entender porque não se
pode avaliar processo sem avaliar resultado. Para avaliar o processo de alfabetização, por exemplo, é indispensável saber se os alunos foram efetivamente alfabetizados. Além do mais, a avaliação
do desempenho dos alunos, tão criticada, é a forma de avaliação que permeia
todo o ensino superior, do vestibular à
série de provas e exames às quais os alunos são constantemente submetidos.
A outra crítica comum é que o exame
apenas mede quem está melhor ou pior,
e não quem é efetivamente bom ou péssimo. Essa argumentação indica um
grande desconhecimento de processo
de avaliação. Testes sempre medem desempenho relativo. Como não há parâmetros absolutos da qualidade dos cursos, é preciso começar o sistema avaliando a diferença de desempenho dos
cursos dentro da realidade brasileira. O
melhor sistema de avaliação que temos
no Brasil é o da Capes, que há mais de
três décadas publica seus resultados em
termos de letras que indicam os melhores e piores cursos.
Parece-me uma postura fora da realidade brasileira ignorar que há uma
enorme diferença de qualidade entre as
instituições e os cursos que elas oferecem, de tal forma que é legítimo pressupor que cursos classificados em três
avaliações sucessivas com D ou E são
ruins e devem ser objeto de uma visita
de comissão de especialistas. Entretanto
pode-se, de fato, promover uma melhora que consiste em publicar as notas, e
não apenas as categorias de A a E.
Há também um engano na objeção de
que não se deve apenas avaliar os alunos, mas também os docentes e a administração. De fato, o objetivo do exame
não é avaliar os alunos, mas a qualidade
dos cursos e das instituições que os oferecem, com o melhor indicador disponível para isso, que é o desempenho médio dos seus estudantes.
Propõe-se também um exame por
amostragem, como na avaliação do ensino fundamental e médio (Saeb). Mas
exames desse tipo não podem caracterizar as escolas, pois nenhuma tem todos
os seus alunos incluídos, e muitas nem
sequer entram na amostragem. O que o
exame revela é a situação geral do ensino no país, permitindo apenas comparação do desempenho entre Estados e
regiões. O provão oferece muito mais e
é, por isso, o melhor indicador que possuímos para avaliar as diferenças de
qualidade do ensino superior.
A oposição do setor privado ao provão é compreensível, pois o mal resultado obtido por muitas instituições tem
diminuído a procura por seus cursos,
prejudicando-as financeiramente. Mas
é difícil de entender a oposição feroz
que é feita pelo sindicato dos docentes
das universidades públicas, dominado
pelas universidades federais e aliado
histórico do PT, o qual agora tem peso
decisivo na escolha dos diretores do órgão do MEC encarregado da avaliação.
É difícil entender, nas não impossível.
Todas as críticas e alternativas propostas como melhores do que o provão têm
um ponto em comum: elas evitam a
comparação entre cursos de diferentes
instituições em termos de qualidade. A
unidade e a força do movimento sindical está apoiada na isonomia, a qual, por
sua vez, está assentada na ficção de que
todos são igualmente bons.
Mostrar que os cursos da Universidade Federal X são muito melhores que os
da Universidade Federal Y promove
uma comparação entre o desempenho
das diferentes instituições, cujos docentes gozam todos dos mesmos privilégios, dos mesmos salários e da mesma
carreira, destruindo a ficção da excelência de todos. Uma comparação como
essa provocará a necessidade de uma
autocrítica por parte das instituições, o
que é inaceitável para o sindicato. Contudo a sociedade precisa dessa avaliação, pois precisa saber que qualidade de
ensino recebe, e é por isso que a apóia.
Eunice Durham, antropóloga, é presidente do
Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da
USP. Foi secretária de Política Educacional do
Ministério da Educação e do Desporto (1995-97).
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