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São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O provão deve ser extinto?

NÃO

Retrocesso

EUNICE RIBEIRO DURHAM

A extinção do provão representa um enorme retrocesso no estabelecimento de um sistema objetivo e confiável de avaliação do ensino superior no Brasil, que é indispensável para promover a qualidade do ensino
Não se pode, obviamente, basear todo o processo de avaliação num único instrumento, como o provão. Nem no governo anterior isso ocorria: junto do provão foram criadas comissões que visitavam os cursos com problemas e faziam uma avaliação mais detalhada das condições e do conteúdo do ensino. Indispensáveis, os relatórios dessas comissões, entretanto, são necessariamente mais subjetivos e os critérios variáveis, além de serem muitos extensos, com um mínimo de 50 páginas.
Por outro lado, o tamanho do sistema educacional brasileiro impede a universalização de avaliações feitas por comissões desse tipo: são, de fato, 18 mil cursos, o que implicaria um exército de avaliadores competentes (que não temos), astronômicas despesas de viagens e milhares de páginas a serem consultadas. Quando essas visitas têm como subsídios os resultados do provão, elas podem se concentrar nos cursos com problemas e há um controle objetivo da subjetividade.
Os opositores do provão apresentam dois argumentos principais. O primeiro é que a avaliação feita pelo exame incide sobre os resultados da aprendizagem, não sobre os processos. A argumentação é difícil de entender porque não se pode avaliar processo sem avaliar resultado. Para avaliar o processo de alfabetização, por exemplo, é indispensável saber se os alunos foram efetivamente alfabetizados. Além do mais, a avaliação do desempenho dos alunos, tão criticada, é a forma de avaliação que permeia todo o ensino superior, do vestibular à série de provas e exames às quais os alunos são constantemente submetidos.
A outra crítica comum é que o exame apenas mede quem está melhor ou pior, e não quem é efetivamente bom ou péssimo. Essa argumentação indica um grande desconhecimento de processo de avaliação. Testes sempre medem desempenho relativo. Como não há parâmetros absolutos da qualidade dos cursos, é preciso começar o sistema avaliando a diferença de desempenho dos cursos dentro da realidade brasileira. O melhor sistema de avaliação que temos no Brasil é o da Capes, que há mais de três décadas publica seus resultados em termos de letras que indicam os melhores e piores cursos.
Parece-me uma postura fora da realidade brasileira ignorar que há uma enorme diferença de qualidade entre as instituições e os cursos que elas oferecem, de tal forma que é legítimo pressupor que cursos classificados em três avaliações sucessivas com D ou E são ruins e devem ser objeto de uma visita de comissão de especialistas. Entretanto pode-se, de fato, promover uma melhora que consiste em publicar as notas, e não apenas as categorias de A a E.
Há também um engano na objeção de que não se deve apenas avaliar os alunos, mas também os docentes e a administração. De fato, o objetivo do exame não é avaliar os alunos, mas a qualidade dos cursos e das instituições que os oferecem, com o melhor indicador disponível para isso, que é o desempenho médio dos seus estudantes.
Propõe-se também um exame por amostragem, como na avaliação do ensino fundamental e médio (Saeb). Mas exames desse tipo não podem caracterizar as escolas, pois nenhuma tem todos os seus alunos incluídos, e muitas nem sequer entram na amostragem. O que o exame revela é a situação geral do ensino no país, permitindo apenas comparação do desempenho entre Estados e regiões. O provão oferece muito mais e é, por isso, o melhor indicador que possuímos para avaliar as diferenças de qualidade do ensino superior.
A oposição do setor privado ao provão é compreensível, pois o mal resultado obtido por muitas instituições tem diminuído a procura por seus cursos, prejudicando-as financeiramente. Mas é difícil de entender a oposição feroz que é feita pelo sindicato dos docentes das universidades públicas, dominado pelas universidades federais e aliado histórico do PT, o qual agora tem peso decisivo na escolha dos diretores do órgão do MEC encarregado da avaliação.
É difícil entender, nas não impossível. Todas as críticas e alternativas propostas como melhores do que o provão têm um ponto em comum: elas evitam a comparação entre cursos de diferentes instituições em termos de qualidade. A unidade e a força do movimento sindical está apoiada na isonomia, a qual, por sua vez, está assentada na ficção de que todos são igualmente bons.
Mostrar que os cursos da Universidade Federal X são muito melhores que os da Universidade Federal Y promove uma comparação entre o desempenho das diferentes instituições, cujos docentes gozam todos dos mesmos privilégios, dos mesmos salários e da mesma carreira, destruindo a ficção da excelência de todos. Uma comparação como essa provocará a necessidade de uma autocrítica por parte das instituições, o que é inaceitável para o sindicato. Contudo a sociedade precisa dessa avaliação, pois precisa saber que qualidade de ensino recebe, e é por isso que a apóia.


Eunice Durham, antropóloga, é presidente do Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da USP. Foi secretária de Política Educacional do Ministério da Educação e do Desporto (1995-97).


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