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São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O provão deve ser extinto?

SIM

O peso do provão

LUIZ ARAÚJO e DILVO RISTOFF

Dizem os especialistas que a avaliação precisa ser avaliada quanto à sua viabilidade, exatidão, utilidade e justiça. O provão, não obstante a boa qualidade das provas, é reprovado nos quatro critérios: ele é inviável a médio prazo, apresenta resultados inexatos, é inútil para orientar a população e as políticas públicas e fere de morte o sentido de justiça. Por essas e outras razões, o provão é um peso e, de certo modo, um pesadelo em nossa história educacional.
O peso administrativo do provão deve, nos próximos anos, gerar um fardo difícil de ser carregado. No último provão, por exemplo, foram avaliados 5.890 cursos, de um total de 12.155 existentes. Hoje, é bom registrar, já são 14 mil. Ou seja, estamos avaliando menos da metade dos cursos existentes, e não é preciso ser economista para entender o impacto desses números sobre a administração pública. Pior: hoje avaliamos 26 das chamadas áreas do conhecimento que, em muitos casos, se confundem com habilitações. Exemplo disso é que avaliamos apenas quatro habilitações das engenharias (civil, mecânica, elétrica e química), enquanto existem mais de cem registradas.
Merece atenção especial o peso financeiro do provão -cerca de R$ 35 milhões. A política do governo anterior, liberalizante e descomprometida com a qualidade, provocou o surgimento de uma nova instituição a cada dois dias e, só no último ano, 5,7 novos cursos ao dia; ou seja, deveremos ter, em breve, um acréscimo espetacular no número de formandos. O impacto disso só será sentido quando, de fato, for duplicado o número de estudantes nas universidades públicas, como pretende o governo, e se for cumprido o Plano Nacional de Educação e 30% da população da faixa etária de 18 a 24 anos estiver abrigada na educação superior. Atualmente, é bom lembrar, segundo os últimos dados do Pnad/IBGE, chegamos aos 9%.
Poucos, talvez, protestariam contra o gasto de milhões de reais dos cofres públicos se os resultados fossem confiáveis, úteis e apropriados para orientar as políticas públicas, as instituições, os pais de família, o mercado e os futuros alunos! Os resultados, no entanto, são escandalosamente inexatos, desinformam o público e produzem ranqueamentos ilusórios. A ser mantido o provão, o governo corre o risco de ser acusado de improbidade administrativa, por estar gastando milhões de reais com um processo sabidamente falho.
A distribuição de conceitos, a partir dos resultados do provão, mostra como esse mecanismo é frágil: um A, por exemplo, não quer dizer "excelente" e um E não quer dizer "péssimo", como milhões de pessoas até agora acreditavam. Um exemplo disso pode ser verificado nos resultados do provão de 2002: a nota 4,4 em administração é A, já a nota 4,8 em odontologia é E; 3,4 em engenharia civil é A, já 3,7 em medicina é E; 3,7 em engenharia elétrica é B, já 3,8 em agronomia é D; e assim por diante!
Os números revelam, portanto, que os conceitos não refletem a qualidade dos cursos e são inadequados para orientar políticas educacionais comuns. Porém, com esses conceitos, nada confiáveis, premiamos e punimos instituições, concedemos ou não crédito educativo a alunos e "orientamos" a sociedade.
É impossível não concluir que o provão, além de ser administrativamente pesado, é financeiramente caro, tecnicamente deficiente, pedagogicamente ruim e eticamente condenável. É urgente a criação de um sistema de avaliação, com instrumentos diversificados, que conversem entre si, que forneçam mais e melhores informações. Um sistema que, de fato, avalie as instituições e cursos, identifique o seu mérito e valor, respeitando os critérios internacionalmente aceitos: a avaliação deve ser útil, exata, viável e justa.
O Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação Institucional da Educação Superior), proposto ao ministro Cristovam Buarque por uma comissão de especialistas instituída pelo MEC, busca exatamente isso. O que se pretende é tornar mais rigoroso o processo de autorização de novos cursos e instituições, transparente e participativo o processo de avaliação institucional, combinando a auto-avaliação, a avaliação externa e o Paideia (Processo de Avaliação Integrada do Desenvolvimento Educacional e da Inovação na Área).
Esse processo de avaliação estará articulado e subsidiará uma política de regulação que resgate o sentido público da educação, rompendo com a ótica mercadológica que presidiu a política educacional no último período.


Luiz Araújo, 40, professor de história na Universidade Estadual do Pará, é presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep/MEC). Dilvo Ristoff, 53, professor de literatura na Universidade Federal de Santa Catarina, é diretor de Estatísticas e Avaliação da Educação Superior do Inep/MEC.


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