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Custo da inoperância
Acúmulo de votações no Congresso Nacional mina autonomia do Poder e resulta do péssimo fluxo de trabalho nas Casas
O "ESFORÇO concentrado" dos parlamentares
para aprovar leis revela a precariedade com
que são conduzidos os trabalhos
legislativos. A Câmara se mobilizou para votar, num prazo de
apenas três dias, 20 medidas
provisórias, uma série de projetos de lei e a proposta de emenda
constitucional que acabou com
votações secretas em plenário.
Como as MPs estavam trancando a pauta, era preciso aprová-las ou rejeitá-las antes de passar a qualquer outra matéria.
É claro que não é possível, num
período tão restrito de tempo,
avaliar cada uma das iniciativas
com o denodo merecido. Na segunda-feira, um acordo de líderes levou à aprovação de 18 MPs
sem discussão sobre mérito. Passaram pelo Parlamento sem que
uma vírgula do texto original,
elaborado pelo Executivo, fosse
alterada. Apenas duas, as MPs
293 e 294, que tratam de matéria
sindical, foram rejeitadas.
Como observou ontem o colunista Janio de Freitas, nesta Folha, o esforço concentrado desvirtua os valores éticos e culturais do Legislativo. Leva a instituição a renegar a atribuição que
lhe dá nome, pois quem acaba legislando é o Executivo.
Parte do problema se deve
mesmo ao governo. Embora em
seus tempos de oposição o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
classificasse o excesso de medidas provisórias como uma "forma autoritária de governar", no
poder sua administração exibiu
notável incontinência legiferante. Desde que assumiu, Lula já
baixou 217 MPs (até 31 de agosto), uma média de 4,9 por mês. É
um número comparável ao de
FHC, que, entre 2001 e 2002,
editou 6,8 MPs por mês.
Desnecessário dizer que grande parte delas não atende aos requisitos constitucionais de relevância e urgência. Que urgência
pode haver, por exemplo, na MP
125, que instituiu no Brasil o Sistema de Certificação do Processo de Kimberley (SCPK), relativo à exportação e à importação
de diamantes brutos?
O Executivo, entretanto, não é
o único culpado pela distorção
do Legislativo. Num certo sentido, os governos também são vítimas da inoperância do Congresso. Se as matérias de interesse do
Planalto fossem votadas em ritmo razoável pelo rito ordinário
dos projetos de lei, cairia muito o
volume de MPs editadas.
O trabalho dos congressistas é
exasperantemente lento e irregular. Parlamentares só costumam freqüentar suas Casas de
terça a quinta. Votações importantes tendem a ocorrer apenas
às quartas. Determinados eventos de periodicidade fixa como a
Copa do Mundo ou as festas juninas têm o incrível dom de transformar os corredores do Congresso em desertos.
Críticas à "semana parlamentar" seriam descabidas se os congressistas dessem conta de manter um fluxo mais ou menos regular de matérias discutidas e
votadas, sem recurso a estratagemas duvidosos como o "esforço
concentrado", que silenciam os
debates parlamentares e transformam o Poder Legislativo em
mero apêndice homologador de
propostas do Executivo.
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