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EDITORIAIS
AS URNAS E A CRISE
As instituições democráticas brasileiras se reforçam, os controles sobre a política se aperfeiçoam e a esfera pública se torna mais densamente povoada
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Mais de 115 milhões de brasileiros estão aptos a exercer,
no dia de hoje, o gesto máximo da
democracia. Pela quarta vez consecutiva no ciclo recente de democratização, o país vai às urnas para eleger
diretamente o presidente da República. É uma marca que revela, ao mesmo tempo, uma fragilidade e uma
virtude. Não devemos perder de vista
que uma democracia somente se solidifica com décadas e décadas de
continuidade institucional. Mas
também não devemos hesitar em comemorar o feito por representar
mais um passo no caminho correto.
Em número de pleitos consecutivos,
a chamada "Nova República" já se
equipara ao período democrático anterior (1945-1964).
Na democratização recente, parecem fadados a coincidir processos de
sucessão presidencial com momentos de deterioração do cenário econômico. Com a exceção de 1994,
quando a estabilização conquistada
pelo Real promovia um surto de crescimento com distribuição de renda,
as outras duas eleições se realizaram
em clima de incerteza financeira. Em
1989, houve uma
escalada inflacionária aguda;
em 1998, era a
sustentabilidade
do câmbio fixo
que estava sendo
questionada por
um grande ataque especulativo. Este ano,
2002, não foge
ao padrão. E o termômetro da incerteza financeira, que engendra atitudes defensivas nos investidores internacionais com relação ao Brasil, é o
frenético comportamento da taxa de
câmbio.
Porém, se existe uma relação direta
entre crises econômicas e ameaças
institucionais, o Brasil, ao longo desse processo de redemocratização,
tem sido uma exceção à regra. A cada
ano que passa, a cada pleito que se
sucede, as instituições democráticas
brasileiras se reforçam, os controles
públicos sobre a atividade política se
multiplicam e se aperfeiçoam e a esfera pública se torna mais densamente povoada por atores sociais os
mais diversos.
Notáveis foram, nos últimos anos,
os avanços no Poder Legislativo. O
Senado, que durante todo o período
republicano se manteve fechado
num corporativismo atávico, abriu-se à depuração interna. Um senador
foi cassado e dois parlamentares que
ocuparam a presidência da Casa e
um ex-líder do governo foram compelidos a renunciar a seus mandatos
para não terem o mesmo destino. O
Congresso Nacional deu cabo do
vergonhoso instituto da imunidade
parlamentar ampla, que criava cidadãos "especiais" aos quais a Justiça
não tinha acesso. Também reequilibrou a relação entre os Poderes, disciplinando o recurso às medidas provisórias pelo Executivo.
Num gesto inédito de inegável maturidade, cada um dos quatro principais presidenciáveis se sentou à mesa
com o presidente Fernando Henrique Cardoso e pactuou termos mínimos de transição diante da necessidade emergencial de o Brasil recorrer
ao Fundo Monetário Internacional.
Luiz Inácio Lula da Silva, José Serra,
Anthony Garotinho e Ciro Gomes tiveram discernimento suficiente para
isolar o campo legítimo da disputa
política daquele em que todos deveriam estar de acordo, pois se trata de
tentar evitar uma grave crise financeira que não interessa a ninguém.
Também no que tange à campanha
feita neste primeiro turno, apesar de
ter sido disputadíssima e de ter contado com espasmos de agressões, o
cômputo geral é positivo: os quatro
fizeram uma disputa das mais civilizadas também porque uma opinião
pública mais atenta impôs limites às
ofensas e propugnou por um debate
centrado preponderantemente na
discussão de idéias e de propostas
para os problemas do país.
Cada um a seu modo, imprensa e
Ministério Público deram passos decisivos rumo a sua consolidação como instituições de controle do exercício do poder. Procuradores e promotores, com algumas exceções,
aferraram-se à sua autonomia profissional e a seus novos papéis (conferidos pela Carta de 88) e souberam
evitar a armadilha da rendição aos interesses governantes e a da busca fácil dos holofotes da mídia.
Quanto à atuação dos principais
veículos de mídia, a cobertura da
campanha eleitoral cuja primeira fase se encerra hoje
coroa um processo de amadurecimento. Nunca se
deu tanta oportunidade ao leitor,
ao ouvinte e ao telespectador de travar conhecimento
com as idéias dos
principais candidatos. Debates,
sabatinas, entrevistas, artigos e reportagens em profusão às vezes até
excessiva proporcionaram ao público um leque mais amplo de informações, o que terá contribuído para
uma decisão de voto qualificada.
A prática do jornalismo também se
aperfeiçoou em busca de um modelo
de atuação cada vez mais independente. Aprimorou-se tecnicamente.
Este jornal, que sempre cultivou a independência, o pluralismo e o apartidarismo como pilares de sua política
editorial e procurou submeter candidatos e partidos, sem distinção, ao
mesmo filtro crítico, contribuiu para
esse processo. O exercício pleno desse jornalismo crítico, independente e
pluralista, entende esta Folha, obriga
o jornal, diferentemente do que fazem outros veículos de mídia, a não
apoiar nenhum candidato à Presidência, a governo de Estado ou a
qualquer outro cargo eletivo.
É verdade que nem tudo são flores
no caminho da democracia brasileira. Há muito ainda a conquistar no
sentido de sua consolidação. Chagas
seculares como a miséria e a má distribuição da renda somente poderão
ser erradicadas com o aprofundamento da democracia. A própria vulnerabilidade do Brasil a solavancos
da economia mundial, que mais
uma vez se manifesta -bem como a
nossa incapacidade de romper o padrão de crescimento baixo e espasmódico dos últimos 20 anos-, terá
de ser objeto de discussão e de resposta políticas.
Se as crises não interferiram na soberania das urnas nesse ciclo recente
de democratização, a verdade é que
as urnas têm o poder de interferir
nos destinos da nação para torná-la
menos sujeita a crises e mais propensa à distribuição do bem-estar social.
Daí a importância do voto, direito
que os brasileiros exercem neste 6 de
outubro num ambiente político e
institucional mais sólido e confiável.
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