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CLÓVIS ROSSI
O Brasil que eu quero
SÃO PAULO - O Brasil que eu quero não vai surgir das urnas de hoje, ganhe quem ganhe. Mas pode começar
a nascer a partir de 1º de janeiro se o
eleito puser na cabeça que a vida da
gente e a maneira como a gente leva
a vida importam mais que a "ganância infecciosa" dos mercados, com todas as suas consequências.
O Brasil que eu quero foi desenhado bem longe daqui, na semana que
passou, a partir de uma tragédia. Refiro-me à morte de Jakob von Metzler,11, herdeiro da fortuna de uma
tradicional dinastia de banqueiros
alemães, que havia sido sequestrado
na semana anterior.
Não, não quero um Brasil em que
matem crianças (ou adultos). Mas
quero um Brasil em que se possa viver como Jakob vivia: apesar de filho
de milionário, ia de ônibus (público)
para a escola e fazia a pé o percurso
entre o ponto e a sua casa.
No Brasil, ou ao menos nas grandes
e nas médias cidades brasileiras, não
é preciso ser herdeiro de fortunas para precisar de guarda-costas ou de
veículos blindados. No máximo, andam em carros sem blindar, mas
sempre particulares. Jamais de ônibus público, jamais a pé.
O transporte público na Alemanha
funciona e serve bem a ricos e pobres.
No Brasil, serve mal a ambos, mas só
os ricos e os mais ou menos podem escapar dele.
Isso é sinal de que Jakob e, por extensão, as crianças alemãs não vivem
com a mentalidade de estado de sítio
que caracteriza pais, mães, avós, tios
e crianças brasileiras. Com essa mentalidade, não se vive, sobressalta-se.
É claro que nesse Brasil que quero
crianças morrerão brutalmente, como Jakob. Mas serão casos tão excepcionais que, como o de Jakob, ganharão manchetes no mundo todo. Os
meninos e meninas do Brasil morrem
no mais profundo anonimato. Não
porque as suas vidas valham menos
que a de Jakob, mas porque, para
eles, a rotina é morrer, não viver.
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