São Paulo, quinta-feira, 06 de dezembro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A prorrogação da CPMF

FRANCISCO DORNELLES

É preciso prorrogar sua vigência para ganhar fôlego e aprofundar o debate sobre o sistema tributário e a política de gastos

NOS ANOS 80, aproximadamente 70% da receita tributária da União provinha de dois impostos, o Imposto de Renda e o IPI. O capítulo da Constituição dedicado à seguridade social abriu caminho para que a União, reduzindo o peso dos impostos cuja receita era compartilhada com Estados e municípios, criasse uma série de contribuições, a maior parte delas de natureza regressiva e cumulativa, que hoje propiciam uma arrecadação maior que aquela derivada dos impostos. Foi no bojo dessas mudanças que foram criadas a Cofins, a contribuição sobre os lucros, a CPMF e a Cide.
A CPMF tem o encanto da facilidade da cobrança. Mas é uma incidência retrógrada, regressiva e cumulativa, que incide sobre o consumo, o investimento, as exportações, que estimula a desintermediação bancária e que indiretamente alcança mais as pessoas de baixa renda.
É forçoso reconhecer que o governo federal, ao se comprometer a não cobrar a CPMF de pessoas com renda mensal de até R$ 2.894, elimina a regressividade direta dessa contribuição, na medida em que ela poderá ser deduzida da contribuição para a Previdência Social.
Se, de um lado, a carga fiscal do país é baseada em incidências de baixa qualificação, de outro lado, existe no país uma série de ações e uma enorme e importante rede de proteção social.
São 24 milhões de pessoas que recebem benefícios da Previdência Social, cujo gasto atual corresponde a 7,23% do PIB; 2,9 milhões de idosos com mais de 65 anos e pessoas portadoras de deficiência recebem o benefício da Loas, que representa uma despesa de 0,54% do PIB; 11,6 milhões de famílias que estão situadas abaixo da linha de pobreza recebem o Bolsa Família; estima-se que cerca de 40 milhões de pessoas sejam beneficiadas por esse programa, que consome recursos equivalentes a 0,36% do PIB; 11,1 milhões de trabalhadores recebem o abono salarial do PIS/Pasep, o 14º salário, benefício de um salário mínimo que é pago para todos os empregados cujo salário, em média, é de até dois salários mínimos mensais; isso custa 0,16% do PIB; 6 milhões de trabalhadores recebem anualmente o seguro-desemprego, que representa um gasto de 0,44% do PIB; 108 milhões de brasileiros são cobertos pelas ações de saúde do SUS (Sistema Único de Saúde), que custa, em seu conjunto, 1,44% do PIB; 41,8 milhões de estudantes da rede pública são beneficiados pelas transferências da União para ajudar os Estados e os municípios a custear o ensino básico, por intermédio do Fundeb e do FNDE; esse repasse da União corresponde a 0,69% do PIB; 575 mil estudantes recebem ensino público e gratuito nas universidades e escolas técnicas federais, o que consome recursos equivalentes a 0,68% do PIB.
Somados, o montante desses benefícios e ações representam um gasto público atual de 11,54% do PIB.
Essa situação mostra que é muito complexo discutir política tributária separada da política de gastos.
O país está precisando encontrar um melhor equilíbrio entre a necessidade de recursos, que poderiam ser obtidos por um sistema de impostos mais justos, progressivos e transparentes, e a imperiosa manutenção da rede de proteção social.
Esse é um debate para ser realizado e decidido com mais precisão técnica e maior reflexão política, no âmbito de uma reforma tributária maior, o que não é o objeto da emenda que trata de duas medidas emergenciais, a CPMF e a DRU.
É preciso prorrogar sua vigência para ganhar o fôlego necessário para aprofundar o debate sobre o sistema tributário e a política de gastos.
A CPMF responde por uma arrecadação de R$ 40 bilhões, o correspondente a aproximadamente 6% da arrecadação do governo federal e a sua eliminação no momento, 20 dias antes do início do ano fiscal, exigiria do governo três posicionamentos.
Um corte drástico no investimento, com reflexo extremamente negativo na taxa de crescimento, prejudicando inclusive Estados e municípios. Um corte também drástico no gasto social, o que seria injusto com as classes menos favorecidas.
O aumento do endividamento, com reflexos sobre a taxa de juros e o equilíbrio fiscal. Por essa razão, em que pese todas as disfunções da CPMF, bastante minoradas pela isenção compromissada pelo governo, sou favorável a sua prorrogação, mas entendo ser necessária uma ampla e abrangente discussão sobre a política fiscal do país, compreendendo a reforma tributária e a política de gastos.


FRANCISCO DORNELLES, 72, advogado, doutor em direito financeiro pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é senador da República pelo PP-RJ e vice-presidente nacional do partido. Foi ministro da Fazenda (governo Sarney), da Indústria, Comércio e Turismo e do Trabalho e Emprego (gestão Fernando Henrique Cardoso).

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