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TENDÊNCIAS/DEBATES
A prorrogação da CPMF
FRANCISCO DORNELLES
É preciso prorrogar sua vigência para ganhar fôlego e aprofundar o debate sobre o sistema tributário e a política de gastos
NOS ANOS 80, aproximadamente 70% da receita tributária da União provinha de dois
impostos, o Imposto de Renda e o IPI.
O capítulo da Constituição dedicado à seguridade social abriu caminho
para que a União, reduzindo o peso
dos impostos cuja receita era compartilhada com Estados e municípios,
criasse uma série de contribuições, a
maior parte delas de natureza regressiva e cumulativa, que hoje propiciam
uma arrecadação maior que aquela
derivada dos impostos. Foi no bojo
dessas mudanças que foram criadas a
Cofins, a contribuição sobre os lucros,
a CPMF e a Cide.
A CPMF tem o encanto da facilidade da cobrança. Mas é uma incidência
retrógrada, regressiva e cumulativa,
que incide sobre o consumo, o investimento, as exportações, que estimula
a desintermediação bancária e que indiretamente alcança mais as pessoas
de baixa renda.
É forçoso reconhecer que o governo federal, ao se comprometer a não
cobrar a CPMF de pessoas com renda
mensal de até R$ 2.894, elimina a regressividade direta dessa contribuição, na medida em que ela poderá ser
deduzida da contribuição para a Previdência Social.
Se, de um lado, a carga fiscal do país
é baseada em incidências de baixa
qualificação, de outro lado, existe no
país uma série de ações e uma enorme
e importante rede de proteção social.
São 24 milhões de pessoas que recebem benefícios da Previdência Social, cujo gasto atual corresponde a
7,23% do PIB;
2,9 milhões de idosos com mais de
65 anos e pessoas portadoras de deficiência recebem o benefício da Loas,
que representa uma despesa de
0,54% do PIB;
11,6 milhões de famílias que estão
situadas abaixo da linha de pobreza
recebem o Bolsa Família; estima-se
que cerca de 40 milhões de pessoas
sejam beneficiadas por esse programa, que consome recursos equivalentes a 0,36% do PIB;
11,1 milhões de trabalhadores recebem o abono salarial do PIS/Pasep, o
14º salário, benefício de um salário
mínimo que é pago para todos os empregados cujo salário, em média, é de
até dois salários mínimos mensais; isso custa 0,16% do PIB;
6 milhões de trabalhadores recebem anualmente o seguro-desemprego, que representa um gasto de 0,44%
do PIB;
108 milhões de brasileiros são cobertos pelas ações de saúde do SUS
(Sistema Único de Saúde), que custa,
em seu conjunto, 1,44% do PIB;
41,8 milhões de estudantes da rede
pública são beneficiados pelas transferências da União para ajudar os Estados e os municípios a custear o ensino básico, por intermédio do Fundeb
e do FNDE; esse repasse da União
corresponde a 0,69% do PIB;
575 mil estudantes recebem ensino
público e gratuito nas universidades e
escolas técnicas federais, o que consome recursos equivalentes a 0,68%
do PIB.
Somados, o montante desses benefícios e ações representam um gasto
público atual de 11,54% do PIB.
Essa situação mostra que é muito
complexo discutir política tributária
separada da política de gastos.
O país está precisando encontrar
um melhor equilíbrio entre a necessidade de recursos, que poderiam ser
obtidos por um sistema de impostos
mais justos, progressivos e transparentes, e a imperiosa manutenção da
rede de proteção social.
Esse é um debate para ser realizado
e decidido com mais precisão técnica
e maior reflexão política, no âmbito
de uma reforma tributária maior, o
que não é o objeto da emenda que trata de duas medidas emergenciais, a
CPMF e a DRU.
É preciso prorrogar sua vigência
para ganhar o fôlego necessário para
aprofundar o debate sobre o sistema
tributário e a política de gastos.
A CPMF responde por uma arrecadação de R$ 40 bilhões, o correspondente a aproximadamente 6% da arrecadação do governo federal e a sua
eliminação no momento, 20 dias antes do início do ano fiscal, exigiria do
governo três posicionamentos.
Um corte drástico no investimento,
com reflexo extremamente negativo
na taxa de crescimento, prejudicando
inclusive Estados e municípios.
Um corte também drástico no gasto social, o que seria injusto com as
classes menos favorecidas.
O aumento do endividamento, com
reflexos sobre a taxa de juros e o equilíbrio fiscal.
Por essa razão, em que pese todas
as disfunções da CPMF, bastante minoradas pela isenção compromissada
pelo governo, sou favorável a sua
prorrogação, mas entendo ser necessária uma ampla e abrangente discussão sobre a política fiscal do país,
compreendendo a reforma tributária
e a política de gastos.
FRANCISCO DORNELLES, 72, advogado, doutor em direito financeiro pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é senador da República pelo PP-RJ e vice-presidente nacional do partido. Foi ministro da Fazenda (governo Sarney), da Indústria, Comércio e Turismo e do Trabalho e Emprego (gestão Fernando Henrique Cardoso).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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