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CARLOS HEITOR CONY
Declaração de princípios
RIO DE JANEIRO - O pior cego, dizem por aí, é aquele que não quer ver.
Pior do que esse é quem vê e não entende o que está vendo. É o caso de
muita gente, o meu caso, principalmente. Quero ver tudo, a aurora boreal, a queda do Império Romano,
Joana D'Arc na fogueira, queimada
como uma bruxa, César atravessando o Rubicão e dizendo "alea jacta
est", a assinatura da Dieta de Worms
e do Edito de Nantes, a tempestade
num copo d'água e, se possível, ver
também o circo pegar fogo, embora
nada lucre nem com o circo nem com
o fogo.
Acontece que, de certa forma, vi tudo isso e nunca entendi direito: por
que existe a aurora boreal, por que o
Império Romano ficou reduzido à
crise na Parmalat, por que jogaram
na fogueira a moça que ouvia vozes?
Nunca ouvi vozes, mas sei de muita
gente que ouve o que nem sequer é dito -é também o meu caso.
Já ouvi por aí que os últimos serão
os primeiros, e nunca fui primeiro em
nada e de tal forma me confundi que
nunca sei se estou em último lugar ou
em lugar nenhum.
Também já ouvi dizer que ri melhor quem ri por último, e tenho a
certeza de que sou sempre o último a
rir, nem por isso rio melhor do que os
outros.
Por essas e por outras, prefiro ser cego e surdo -não consegui nem uma
coisa nem outra, mas tenho tentado.
Pior do que ver o que se quer, é ver
aquilo que não se quer. Nesse ofício,
sou bem dotado, pois já vi coisas que
nunca esperava ver e sempre quis ver
um disco voador -tenho um primo
que já viajou num deles.
Nunca vi disco voador e já desanimei de andar neles, mas acredito que
ainda verei raiar o fúlgido sol da liberdade, que eventualmente ouço em
nosso hino pátrio. Das coisas que não
vi e gostei de não ter visto, a mais importante poderia ter acontecido ontem: receber por Sedex a comenda de Cavaleiro da Ordem Equestre de São
Silvestre.
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