São Paulo, quarta-feira, 07 de janeiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Declaração de princípios

RIO DE JANEIRO - O pior cego, dizem por aí, é aquele que não quer ver. Pior do que esse é quem vê e não entende o que está vendo. É o caso de muita gente, o meu caso, principalmente. Quero ver tudo, a aurora boreal, a queda do Império Romano, Joana D'Arc na fogueira, queimada como uma bruxa, César atravessando o Rubicão e dizendo "alea jacta est", a assinatura da Dieta de Worms e do Edito de Nantes, a tempestade num copo d'água e, se possível, ver também o circo pegar fogo, embora nada lucre nem com o circo nem com o fogo.
Acontece que, de certa forma, vi tudo isso e nunca entendi direito: por que existe a aurora boreal, por que o Império Romano ficou reduzido à crise na Parmalat, por que jogaram na fogueira a moça que ouvia vozes? Nunca ouvi vozes, mas sei de muita gente que ouve o que nem sequer é dito -é também o meu caso.
Já ouvi por aí que os últimos serão os primeiros, e nunca fui primeiro em nada e de tal forma me confundi que nunca sei se estou em último lugar ou em lugar nenhum.
Também já ouvi dizer que ri melhor quem ri por último, e tenho a certeza de que sou sempre o último a rir, nem por isso rio melhor do que os outros.
Por essas e por outras, prefiro ser cego e surdo -não consegui nem uma coisa nem outra, mas tenho tentado. Pior do que ver o que se quer, é ver aquilo que não se quer. Nesse ofício, sou bem dotado, pois já vi coisas que nunca esperava ver e sempre quis ver um disco voador -tenho um primo que já viajou num deles.
Nunca vi disco voador e já desanimei de andar neles, mas acredito que ainda verei raiar o fúlgido sol da liberdade, que eventualmente ouço em nosso hino pátrio. Das coisas que não vi e gostei de não ter visto, a mais importante poderia ter acontecido ontem: receber por Sedex a comenda de Cavaleiro da Ordem Equestre de São Silvestre.


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