São Paulo, quinta-feira, 07 de fevereiro de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

O que diz a direita

Reunida em Porto Alegre, uma federação de antagonistas do statu quo mundial voltou a conclamar, entre acordes da Internacional Socialista, por uma alternativa ao modelo dominante. Depois de um extenso avanço da esquerda durante o século 20, há cerca de 20 anos é a direita quem predomina e dita regras.
Não vamos revolver os fundamentos dessa virada, mas perguntar o que a sustenta. Os valores morais da direita são pobres. Costuma-se associá-la à idéia de "liberdade", ficando a "igualdade" a cargo da esquerda. Se a direita é de fato refratária a políticas de igualdade, o horror à liberdade parece bem distribuído entre os dois campos.
É outro o ponto. Nas entrelinhas do discurso de direita, o que se lê é a crença numa continuidade entre a ordem da natureza e a da sociedade. A sociedade deve "melhorar" o animal humano, mas dentro dos limites do que lhe é "natural", ou seja, permanente, insuscetível de mudar.
A proximidade que sempre houve entre a direita e uma abordagem religiosa do mundo se esclarece, pois essa estrutura permanente nada mais é, no fundo, que reflexo de Deus, o qual criou o mundo tal como ele é e dotou o homem de impulsos de aquisição e competição.
Desde os liberais das universidades norte-americanas aos fascistas de todos os quadrantes e épocas, ao longo do espectro da direita o denominador comum é esse fetichismo da natureza (as leis da economia, a tradição de sangue), que a ordem social deve reproduzir, nunca confrontar.
Daí a insistência de Marx em negar a noção de natureza humana ao desmascarar que ela é produto de condições históricas. Para ser de esquerda é necessário antes pressupor que a sociedade significa uma ruptura com a ordem da natureza e um processo pelo qual o homem se refaz.
O que a direita diz é que componentes de agressividade e cobiça podem ser disciplinados, mas não erradicados. Acreditar que possam desaparecer abre caminho para o pesadelo totalitário e conduzem a um túnel que começa nos bons sentimentos e termina na mentira e no crime.
Mais do que isso (sempre de acordo com o raciocínio dos autores de direita, de De Maistre a Céline), a tentativa de remover tais forças da personalidade humana estiolam seu impulso para inovar e progredir, de modo que os revolucionários acabam sendo os verdadeiros reacionários.
Claro que essa retórica tem servido de cobertura para muita desigualdade e opressão. Mas, desde o colapso do socialismo "real" (o outro seria "utópico"?), é como se direita e esquerda tivessem trocado de lugar no banco dos réus. A dificuldade de Porto Alegre é responder as acusações.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.



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