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OTAVIO FRIAS FILHO
O que diz a direita
Reunida em Porto Alegre, uma
federação de antagonistas do statu quo mundial voltou a conclamar,
entre acordes da Internacional Socialista, por uma alternativa ao modelo
dominante. Depois de um extenso
avanço da esquerda durante o século
20, há cerca de 20 anos é a direita
quem predomina e dita regras.
Não vamos revolver os fundamentos dessa virada, mas perguntar o que
a sustenta. Os valores morais da direita são pobres. Costuma-se associá-la à
idéia de "liberdade", ficando a "igualdade" a cargo da esquerda. Se a direita
é de fato refratária a políticas de igualdade, o horror à liberdade parece bem
distribuído entre os dois campos.
É outro o ponto. Nas entrelinhas do
discurso de direita, o que se lê é a crença numa continuidade entre a ordem
da natureza e a da sociedade. A sociedade deve "melhorar" o animal humano, mas dentro dos limites do que
lhe é "natural", ou seja, permanente,
insuscetível de mudar.
A proximidade que sempre houve
entre a direita e uma abordagem religiosa do mundo se esclarece, pois essa
estrutura permanente nada mais é, no
fundo, que reflexo de Deus, o qual
criou o mundo tal como ele é e dotou o
homem de impulsos de aquisição e
competição.
Desde os liberais das universidades
norte-americanas aos fascistas de todos os quadrantes e épocas, ao longo
do espectro da direita o denominador
comum é esse fetichismo da natureza
(as leis da economia, a tradição de
sangue), que a ordem social deve reproduzir, nunca confrontar.
Daí a insistência de Marx em negar a
noção de natureza humana ao desmascarar que ela é produto de condições históricas. Para ser de esquerda é
necessário antes pressupor que a sociedade significa uma ruptura com a
ordem da natureza e um processo pelo qual o homem se refaz.
O que a direita diz é que componentes de agressividade e cobiça podem
ser disciplinados, mas não erradicados. Acreditar que possam desaparecer abre caminho para o pesadelo totalitário e conduzem a um túnel que
começa nos bons sentimentos e termina na mentira e no crime.
Mais do que isso (sempre de acordo
com o raciocínio dos autores de direita, de De Maistre a Céline), a tentativa
de remover tais forças da personalidade humana estiolam seu impulso para
inovar e progredir, de modo que os revolucionários acabam sendo os verdadeiros reacionários.
Claro que essa retórica tem servido
de cobertura para muita desigualdade
e opressão. Mas, desde o colapso do
socialismo "real" (o outro seria "utópico"?), é como se direita e esquerda
tivessem trocado de lugar no banco
dos réus. A dificuldade de Porto Alegre é responder as acusações.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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