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TENDÊNCIAS/DEBATES
O trabalho escravo persistirá no país?
NÃO
O Brasil pelo trabalho decente
RICARDO BERZOINI
Há 20 anos, o fiscal do Trabalho
Alexandre Cerqueira César era
violentamente assassinado em Assis
(SP) porque cumpria seu dever em lavrar um auto de infração após ter constatado 13 trabalhadores em situação irregular. Foram seis tiros desfechados
contra sua cabeça, peito e costas. Naquele 24 de janeiro de 1984 tinha início,
em Brasília, o 1º Encontro Internacional
de Proteção ao Trabalho. O encontro
proclamou Alexandre como o guardião
da justiça social no país.
Na semana passada, três auditores-fiscais e um motorista da Delegacia Regional do Trabalho de Minas Gerais foram barbaramente assassinados, em
Unaí (MG), em pleno exercício de suas
funções. O crime, ainda sob investigação federal, chocou mentes e corações
de todo o povo brasileiro. Na catedral de
Brasília, no ato litúrgico de sétimo dia
em homenagem aos quatro companheiros, ministros, parlamentares, servidores, dirigentes sindicais e familiares
selavam com o presidente da República
o compromisso de revelar o mais rápido possível as razões do crime, prender
e punir os culpados.
Nas palavras do presidente Lula, a ordem é ter mais fiscais, porque se três incomodaram tanto, vamos incomodar
muito mais. Em Unaí, quatro trabalhadores, servidores públicos, morreram
ao proteger outros trabalhadores contra
situações de trabalho degradantes e irregularidades contratuais. A chacina
provocou, entretanto, a reflexão sobre o
trabalho escravo que ainda teima em
sobreviver no país, embora nossa nação
carregue o duro fardo de ter sido a última das Américas a abolir, em lei, a escravidão. Num rápido olhar sobre a expansão agrícola brasileira a partir dos
anos 70, em especial nas regiões Norte e
Centro-Oeste, não é difícil constatar que
a escravidão pode ter sido abolida, mas
ainda persiste o comportamento escravocrata de alguns patrões. Esses não
querem ser entendidos como empregadores, mas como coronéis de um império tardio, que não tem mais lugar numa
sociedade hoje representada em variadas matizes ideológicas, culturais, políticas, sociais e empresariais no poder
central.
Cabe ressaltar que, por outro lado, o
moderno empresário rural não pode ser
confundido com esse atraso: só em
2003, 58 mil novos empregos formais
foram gerados na agropecuária brasileira, o que se deve, também, à ação fiscal
do Ministério do Trabalho e Emprego.
Os gestores atuais do Estado têm o
compromisso, firmado ao longo de
anos de militância sindical e política na
oposição, e também o dever de modificar a estrutura cruel e desumana enraizada em alguns nichos de ganância.
O desafio para o Ministério do Trabalho e Emprego colocado neste espaço de
debates é "se o trabalho escravo vai persistir no Brasil".
Nós afirmamos que não. Nos dados
estatísticos, de pesquisas e de óbvia
constatação, as causas e soluções estão
colocadas. É possível, numa aliança dos
governos municipais, estaduais e federal com a sociedade, eliminar esse grande mal que insiste em permanecer no
cotidiano de milhares de trabalhadores
rurais, garimpeiros e, por que não, entre
muitos que trabalham nas cidades, inclusive trabalhadores de outros países
sul-americanos, como os bolivianos trazidos para indústrias têxteis clandestinas em São Paulo .
Triste é constatar, desde o ano passado, com o lançamento do "Atlas da Exclusão Social", de Marcio Pochmann,
que o Maranhão, seguido do Piauí,
amarga os maiores índices dos números
apresentados na pesquisa. E são os maranhenses os responsáveis pelo primeiro grito de liberdade econômica do Brasil, sufocado pela morte na forca de seu
líder, Manuel Beckman, em 1685.
Não é possível, nos dias de hoje, a convivência com mercados de trabalho escravo, como acontece no sul do Pará, estado que concentra o maior número de
profissionais do minério e da agricultura que são obrigados a deixar seus Estados, famílias e relações sociais para se
humilhar pelo direito de produzir. Sem
oportunidades reais de trabalho, habitação, saneamento, educação, cultura e
lazer, tornam-se disponíveis à maldade
e ao descaso à vida humana dos feitores
da atualidade -os chamados gatos- e
seus patrões.
O povo brasileiro acordou, porque
vem despertando em seu berço esplêndido de forma mais acelerada nas últimas décadas. Pois é isso que somos, um
grande berço de riquezas culturais, patrimoniais, hídricas, minerais e sincretismo de vários povos que aqui formaram uma nova civilização.
Nosso dever é realizar os sonhos que
basearam a luta social dos trabalhadores. Nesse momento, não precisamos
recorrer aos números, sabemos exatamente onde estão os principais problemas, demandas e soluções. As providências para erradicar esse mal já estão
em curso e prosseguirão, sistematicamente.
Temos o dever de eliminar o trabalho
escravo e garantir a dignidade do emprego em nosso país. Esse é o compromisso de nosso governo e temos a certeza de que é apoiado por quase todos. É
também uma forma de homenagear
Alexandre, Aílton, João, Eratóstenes e
Nélson. Mais que tudo, é a nossa obrigação perante a Constituição Federal da
nação brasileira.
Ricardo Berzoini, 43, é ministro do Trabalho e
Emprego e ex-ministro da Previdência Social.
Deputado federal licenciado (PT-SP), foi presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e
da Confederação Nacional dos Bancários.
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